Hoje publiquei o meu texto semanal, no Diário de Notícias. Trata-se de mais uma reflexão sobre as coisas de agora, os grandes perigos que ameaçam a paz, a estabilidade e a vida das pessoas.
O link que se segue permite uma leitura do texto. É verdade que este não é um serão para grandes leituras. Mas haverá certamente quem se interesse, amanhã, depois das festas, por uma reflexão deste tipo.
O Algarve é uma terra de contrastes. Muita gente pobre lado a lado com muita gente rica. Áreas modernas e sofisticadas na vizinhança de ruínas e desleixo. Estrangeiros e naturais da terra, um pouco por toda a parte. Um povoamento e uma ocupação do território que nada tem de sustentável. Um clima e uma paisagem que mereciam um ordenamento completamente diferente. Uma ilusão num país que tem muita falta de realismo e de dirigentes capazes de aproveitar o muito que a natureza nos deu.
Curiosamente, este ano os melros voltaram, depois de vários anos de ausência. Tenho um casal no meu jardim, que passou o dia a construir um ninho. Muito atarefados, mas sempre com um olho posto nos gatos da vizinhança, que vêem os nossos jardins como um terreno de prática da caça.
Não sei se chegarei a conhecer os futuros ocupantes desse ninho. Em princípio, deveria mudar-me definitivamente nos primeiros dias de Abril. Uma mudança radical de vida, mais uma a juntar a muitas outras. Agora, nestes tempos de incerteza, nada é claro.
Uma das dimensões da crise é a indefinição, a impossibilidade de imaginar os dias futuros com um mínimo de probabilidade. Para quem tem as suas rotinas definidas, isso não constitui um grande problema. Mas quem anda por outros horizontes fica com a impressão que está num jogo de roleta. Apostar no imprevisível é coisa de loucos.
A vida do meus melros é diferente. Está cheia de esperanças. Mas também aí, é o acaso que pesa mais. Para aumentar as suas chances, constroem o ninho num galho mais alto. A altura traz mais segurança, quando se trata dos felinos, mas cria instabilidade, o ramo abana mais com o vento, aumentando assim o risco de queda dos pintainhos. Espero, por isso, que as próximas semanas sejam amenas. É uma aposta no factor sorte.
Hoje, depois de todas as medidas anunciadas pelos vizinhos, vários vizinhos, incluindo a França ao fim do dia, a única ambição que me anima seria a de poder dar um passeio pelo parque amanhã pela manhã. Por aqui, as regras em vigor permitem que o faça, desde que sem contactos sociais à mistura. Os patos e os gansos estão de volta, a migração invernal terminou, e em breve vamos ter uma nova geração de palmípedes, que nos lembrará que a vida é um ciclo, por muitos altos e baixos que apareçam.
Não o farei, no entanto. Acho que é fundamental ficar em casa. E lembrar a todos que assim se deve agir.
É uma parvoíce intelectual, para além de ser um chavão frequentemente repetido, falar na “desintegração do Ocidente”. Qual desintegração, qual carapuça! E o Ocidente, fica aonde? Começa após o quintal de Vladimir Putin e termina à porta de Donald Trump? E passa ao lado das ruas sem flores onde moram Marine Le Pen ou Matteo Salvini?
“Ocidente” é um conceito impreciso e ultrapassado.
O que se passa, isso sim, é a afirmação da pluralidade das culturas humanas. Passámos a reconhecer que estamos agora num mundo em que a diversidade é reconhecida, se afirma e ganha força. E somos convidados a aceitar que o percurso para o futuro não deverá ser feito com base numa perspectiva imperial, que tentaria impor uma certa maneira de estar e de ver a vida. Também não poderá assentar num confronto entre civilizações.
A afirmação de outras culturas é o resultado de um desenvolvimento mais equilibrado do mundo. A sua pujança traduz, na melhor das hipóteses, optimismo e vitalidade económica, noutras, um certo tipo de revanchismo ou, simplesmente, desagravo, depois de uma longa história de humilhações e de escárnio. De uma maneira ou outra, trata-se de uma realidade que deve ser vista como positiva e enriquecedora.
Olhemos em frente, é o que também gosto de sugerir. O futuro só terá paz e progresso se for construído a partir do entendimento, da compreensão entre as várias culturas e da cooperação entre sistemas de valores que poderão ser divergentes em vários aspectos mas que deverão coincidir quando se tratar de questões fundamentais. Destas, sublinho duas, que considero prioritárias e deverão ser os pilares da nossa casa comum: o respeito pela dignidade de cada indivíduo e o esforço comum pela conservação da natureza e do meio ambiente.
O ciclone Idai deixou a maioria das infra-estruturas da cidade da Beira, em Moçambique, destruídas, para além de ter morto um milhar ou mais de pessoas. Foi um enorme desastre natural. Trouxe desafios inimagináveis para as famílias e para as autoridades.
A solidariedade internacional, e a ajuda de emergência, chegou primeiro da África do Sul, um país que tem capacidade para responder a este tipo de crises. Outros se seguirão, assim o espero. Portugal deveria responder também, na medida dos meios possíveis. E a população portuguesa precisa de mostrar que não fica indiferente quando algo desta gravidade acontece num país a que a história e o passado recente nos ligam.
Um dos primeiros animais vistos no Parque de Ranthambhore, a cinco horas de comboio a sul de Nova Deli.
O parque é um centro de atração famoso, por causa dos tigres. Mas ver os ditos é quase um milagre. A maior parte dos visitantes vai e volta sem ver nenhum tigre. Vê, isso sim, muitos turistas, incluindo muitos turistas indianos, que as classes com posses e mais jovens viajam imenso, por todos os cantos do seu país.
Fiquei três dias inteiros no parque. Ao segundo dia já pensava que o tigre é como um deus: acredita-se que existe mas ninguém o vê. E nesse dia, ao acaso de muitas voltas e de muito sofrimento no mato, que as pistas de Ranthambhore são umas quebra-costas dos diabos, acabei por estar lado a lado com uma mãe tigre e as suas duas crias, já de um ano de idade. Com dois anos, separar-se-ão da mãe e cada uma irá constituir um novo território exclusivo e solitário.
Acaba de chegar às salas de cinema americanas e outras um filme de longa-metragem sobre o Parque Nacional de Virunga. Vale a pena ver.
O parque tem uma área que equivale a quase duas vezes a superfície do Algarve e situa-se na fronteira leste da República Democrática do Congo, na extrema com o Uganda e parte do Ruanda. É a “casa” de várias centenas de gorilas das montanhas, uma espécie em vias de extinção. Depois de um longo período de ameaças, por parte de milícias armadas e de caçadores furtivos, o parque tem conseguido, nos últimos anos, recuperar e proteger a sua riqueza natural.
Essa recuperação tem estado a ser ameaçada pelos interesses de uma companhia de exploração de petróleo inglesa, que dá pelo nome de SOCO International plc. O filme documenta o jogo de influências e as manipulações de funcionários e outros agentes contratados de SOCO. A companhia queria que uma parte significativa do parque, que é considerado pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade, deixasse de ser reserva natural e pudesse ser objecto de pesquisas petrolíferas.
O director do parque, Emmanuel de Mérode, um nome de referência em matéria de coragem e de conservação da natureza, tem conseguido opor-se a esses desígnios. Em April passado foi vítima de uma emboscada, levou vários tiros e só não morreu por acaso.
Recentemente, depois de muita indignação internacional, SOCO resolveu retirar-se do Congo (RDC).
Curiosamente, um dos administradores não-executivos de SOCO é um antigo embaixador português, hoje jubilado e ligado a interesses bancários. Alguém por quem sempre tive muita consideração.
O Parque Natural Sintra-Cascais e' um desalento, um caos, um conjunto de povoados feios e pobres, sujos e mal enjorcados, uma graçola ridícula cheia de construções, fábricas, pedreiras, ferro-velho e dunas destruídas pelas motos de quatro rodas. E' mais um triste exemplo do faz-de-conta em que o país se transformou.