A crise doméstica que os EUA estão a viver, por causa da discórdia política entre Republicanos e Democratas sobre as condições que cada lado exige para aprovar o aumento do tecto da dívida pública, é mais uma complicação muito séria que se acrescenta à já bastante complexa e perigosa situação internacional. A administração americana está a dias de se encontrar numa situação de insolvência parcial. A dívida pública representa cerca de 122% do PIB, uma situação que não é muito diferente da que existe em Portugal. Como noutros países desenvolvidos, o endividamento do Estado ultrapassou nos últimos vinte anos o limite da prudência, que anda à volta de 60% no que respeita ao rácio dívida/PIB. A dívida pública só cresce se houver quem queira emprestar dinheiro ao Estado. Os Estados, incluindo os mais desenvolvidos, gastam desenfreadamente, por várias razões políticas, incluindo para manter artificialmente os níveis de vida dos seus cidadãos. É mais fácil pedir emprestado que ter políticas acertadas que gerem riqueza e evitem desperdícios. E os políticos gostam das soluções fáceis.
Sou dos que não vêem qualquer razão estratégica que justifique o financiamento público da TAP. Antes pelo contrário. A companhia aérea está inserida num mercado muito concorrencial e deve ser gerida de modo a poder competir comercialmente e a ganhar dinheiro. Tem aliás vários trunfos, nomeadamente no que respeita aos mercados africanos e brasileiro. A atribuição de subsídios provenientes do orçamento do Estado distorce a gestão racional da companhia e traduz-se numa carga fiscal adicional para os contribuintes portugueses. Nesta altura pré-eleitoral, um verdadeiro candidato reformista deveria pegar no assunto da TAP, sem receios, e propor um plano de desconexão.
Isto vem a propósito de uma cena que aconteceu hoje no aeroporto de Lisboa e que deve ocorrer praticamente todos os dias, ao que sei.
Uma centena de passageiros não puderam embarcar no último momento, já em frente da porta de embarque. A razão tinha que ver com a papelada exigida nalguns destinos, quanto à Covid. Tendo sido impedidos de viajar, não tinham outra hipótese senão dirigir-se ao balcão comercial da TAP. Aí só estavam disponíveis dois funcionários, um número absolutamente insuficiente para poder responder com a celeridade exigida à centena de casos individuais. Nestas circunstâncias, muitos dos passageiros tiveram que esperar na fila 3, 4 ou mais horas, até ser atendidos. A quase totalidade das pessoas era estrangeira e não conseguia nem entender nem manipular o sítio internet da TAP, de modo a tentar adquirir um bilhete ou voos alternativos. O sítio é complicado para quem não esteja habituado e, mais ainda, para quem não tenha conhecimento da língua portuguesa.
A certa altura os passageiros, cansados, stressados e furiosos por causa da espera começaram a gritar. Um verdadeiro pandemónio, em plena zona de trânsito do aeroporto. E pronto. Uma vez mais a imagem da TAP e de Portugal saíram mal na fotografia. Uma fotografia que é paga com o dinheiro de todos os portugueses.
Numa negociação – por exemplo, sobre o orçamento do Estado – a parte que quer obter vantagens deve começar sempre por dizer que a proposta é inaceitável. Mas que está disponível para discutir o assunto. A partir daí, é sempre a ganhar.
Hoje só vou acrescentar que um plano de recuperação e transição para uma nova economia e uma sociedade mais equilibrada, no período pós-covid, não se pode resumir a uma conjunto de banalidades, generalidades e lugares-comuns. Tem que ter prioridades e estimativas orçamentais. O resto, é apenas conversa, mais cópia e cola. Não convence quem precisa de ser convencido. Não chega para mobilizar recursos. Não é para levar a sério.
Já faltou mais para que cheguemos a uma nova crise política na Itália. Matteo Salvini quer mais poder. Tudo fará para que, em breve, seja necessário organizar novas eleições.
O problema das coligações com os extremistas de direita é conhecido. Começam por participar no jogo, mas sempre com a intenção de, com o tempo, poderem controlar o campeonato. Salvini não é nenhuma excepção à regra.
Entretanto, o governo italiano continua a contribuir para o enfraquecimento das instituições europeias. Entre outros aspectos, o país não obedece às regras orçamentais comuns. Prossegue um processo de endividamento excessivo, insustentável e demagógico. Em 2020, a dívida pública italiana deverá representar 135% do PIB nacional.
De todos os dirigentes europeus, Matteo Salvini é, neste momento, o que mais ameaça a estabilidade da União Europeia.
A Itália é um país em falência política e esta traz por arrasto um colapso económico.
O meu post de ontem sobre a Europa da defesa foi lido como um ataque directo a alguns comentadores habituais da nossa praça. Não pode ser. Deveria ser visto, isso sim, como uma crítica sobre a maneira como a questão tem estado a ser analisada.
Ataques pessoais não fazem parte do meu estilo nem cabem nestas páginas.
E não diz respeito apenas ao que se escreve e diz em Portugal. Infelizmente, a questão da defesa europeia é muito mal tratada em vários jornais e televisões dos Estados membros. O tema dos 2% do PIB é, na maioria dos casos, o aspecto central por onde esses comentadores pegam no assunto. Ora, mesmo isso, tem muito que se lhe diga. Pode-se gastar 2% do PIB nacional em rubricas erradas ou secundárias para a defesa do país. Veja-se o que se passa na Grécia, onde uma boa parte do dinheiro gasto com as forças armadas se destina ao financiamento de pensões de reforma ou para comprar tanques que servirão para combater uma guerra do estilo do século XX.
Continua a discorrer-se frequentemente sobre a Europa da defesa. Menciona-se a pressão vinda de Washington, a existência da NATO, as indústrias de defesa, as diversas iniciativas que entretanto alguns líderes da UE vão ensaiando, como PESCO, a relativa fraqueza das diferentes forças armadas europeias, com excepção das britânicas e francesas, e assim por diante.
Tudo isso é importante.
Mas a defesa é antes de tudo uma questão de opção política a curto e médio prazo e de visão estratégica, no que respeita ao futuro. O projecto comum europeu precisa de ter uma vertente de defesa que seja partilhada pelos Estados membros e que seja autónoma em relação aos interesses de parceiros exteriores à Europa. Temos que cuidar de nós. Temos que investir na nossa segurança colectiva, com base nos nossos interesses.
Há que definir quais são esses interesses. E ter bem presente que os aliados de ontem e de hoje podem ter interesses muito diferentes dos nossos, no futuro. É de prever que a evolução vá nesse sentido.
Também é necessário fazer uma avaliação a sério dos riscos externos que poderão ameaçar a Europa no futuro e, em seguida, determinar qual deverá ser o papel do sector da defesa na prevenção, dissuasão, contenção e na resposta a esses riscos.
Como é igualmente imprescindível ter uma posição clara sobre o papel que as forças armadas europeias poderão desempenhar na cooperação internacional para a paz e a segurança.
Por tudo isto, digo repetidamente que a questão europeia de defesa tem que estar mais no centro do debate. É um assunto estratégico. Não é um problema meramente técnico-militar, nem simplesmente orçamental. Acrescento que deve igualmente começar pela política e por uma visão a prazo. Estas matérias exigem tempo para poderem ser concretizadas. Deve aprovar-se agora aquilo que se quer ter operacional dentro de dez ou quinze anos.
Não há defesa comum sem que se defina primeiro uma política e uma estratégia que sejam subscritas por todos os Estados interessados. É por aí que se deve começar. Chega-se a um acordo quanto às ameaças externas, definem-se os objectivos políticos que devem ser alcançados e desenha-se o plano estratégico que deverá definir o quadro operacional que permita atingir os desígnios políticos. Depois, cabe a cada um dos Estados membros decidir como se deve reorganizar de modo a inserir-se no todo.
Falar apenas de orçamentos, de missões conjuntas ao nível do terreno ou de coordenação nas compras de equipamento soa bem, não é mau mas não leva a um esforço comum de defesa.
Ando por aí a dizer que o debate sobre as despesas de defesa da Europa não se pode limitar a um indicador apenas.
É verdade que os estados-membros da NATO, a começar pelos europeus, se comprometeram na Cimeira de 2014 no País de Gales a aumentar os orçamentos públicos destinados à defesa, de modo a atingirem o montante de 2% do PIB nacional. Gradualmente, aliás, tendo como horizonte o ano 2024.
Atenção, porém!
Esta percentagem é um valor indicativo, uma ordem de grandeza que serve de referência política ao nível do secretariado da NATO. Neste momento, apenas os EUA, o Reino Unido, a Grécia, a Estónia e a Polónia atingem esse patamar. Mas a percentagem não chega. É preciso que a estrutura das despesas tenha em conta as necessidades actuais das forças armadas, tendo em conta os novos tipos de ameaças e a ênfase relativa que deve ser dada a cada dimensão da defesa. Gastar dinheiro com estruturas inadequadas, quadros conceptuais errados e meios obsoletos é mero desperdício. Uma parte importante do debate terá que passar por essa análise da estrutura das despesas.
A questão das possíveis sanções da Comissão Europeia a Portugal traz muitos e variados ânimos exaltados. No que me respeita, já aqui escrevi que não creio que a proposta de sanções que a Comissão venha a fazer vá muito além de um aviso e de um par de recomendações. E, contrariamente ao que por aí se diz, convém lembrar que nestas coisas quem te avisa teu amigo é. O aviso deve ser visto como um lembrar das fragilidades da nossa economia e ainda, como um apelo a que não esqueçamos que sem credibilidade externa não haverá investimentos vindos de fora e sem investimentos não teremos nem mais emprego nem mais recursos para financiar a nossa enorme ambição social. Acreditar que Bruxelas toma posição por razões de desconforto político, por não se sentir bem com um governo que tem uma base de apoio não-ortodoxa, não me parece ser a melhor resposta. Só serve para desviar a nossa atenção dos verdadeiros desafios que temos pela frente.