Vejo o encontro que Mário Soares organizou ontem em Lisboa como um exercício do direito à indignação, perante a situação política actual. Teve o mérito de reunir personalidades de vários matizes políticos, que partilham um ponto de vista: a oposição às medidas orçamentais que estão a ser aplicadas pelo governo, com o apoio dos principais credores externos do nosso país. Foi igualmente um momento de reconhecimento em relação a Mário Soares, quer em relação ao conjunto da sua vida política quer ainda ao facto de que, com a idade que tem, continua a batalhar pelas causas que lhe parecem justas.
Dizem-me que as intervenções foram vagas, mais retórica do que substância, mais emoção do que propostas concretas. E que os partidos políticos viram a coisa como uma espécie de grande missa, a que seria mal visto faltar, mas sem qualquer tipo de consequências práticas.
Talvez. Mas, para mim, foi um acto de cidadania. Certamente muito preferível, diga-se claramente, às greves políticas que põem à prova o que resta da economia.
No seguimento do que escrevi ontem, queria deixar claro que não compreendo a euforia politica que a decisão do Tribunal Constitucional tem criado, nalguns sectores da nossa opinião pública.
A decisão, cujos méritos não ponho em causa, tornou claro que existe uma profunda crise política em Portugal. O governo ficou com uma autoridade fortemente abalada. A oposição, por seu turno, e por si só, não parece ser alternativa. Mas, mais importante, vamos ter que encontrar argumentos de peso para que possamos ter uma negociação efectiva com os representantes dos nossos credores, numa altura em que a nossa economia não responde, a opinião pública não aceita as reformas do Estado que são necessárias, e as receitas fiscais ficam muito aquém das despesas que esperamos o governo faça.
Tudo isto num contexto europeu que é muito pouco flexível, numa altura francamente desfavorável, em que quem decide, na Europa, não está disposto a fazer concessões. Antes pelo contrário. Quem manda pensa que chegou a hora da verdade, das clarificações, da separação do trigo do joio, de refundação da Europa.
Ou seja, estamos, isso sim, a viver uma crise nacional profunda. Que não se compadece com euforias. Nem com ligeirezas. Nem clubismos. Nem ódios pessoais. Exige, sim, um vasto movimento de unidade e muita chama patriótica. Como também pede gente firme, que seja capaz de falar com a Europa de maneira que possamos ser ouvidos.
O oposto da euforia não é ansiedade. A verdadeira alternativa passa pela mobilização de todos nós.
Conhecida agora a decisão do Tribunal Constitucional sobre certas normas do Orçamento Geral do Estado para 2013, e tendo em conta o clima político actual na Europa, que deixa pouco espaço para manobras, caberá ao governo de Portugal, seja ele qual for, reorganizar as contas públicas deste ano, de modo a manter o défice dentro de limites que sejam considerados aceitáveis pelos representantes dos credores exteriores. E, claro, dentro das normas constitucionais.
Ao decidir enviar o Orçamento Geral do Estado de 2013 para o Tribunal Constitucional (TC), após promulgação, para que o TC proceda à verificação sucessiva da constitucionalidade de algumas das medidas orçamentais, o Presidente da República fez o que um político sensato teria feito. Nas circunstâncias actuais, não havia outra solução, apesar do que dizem muitos dos constitucionalistas. Não promulgar não era solução.
Cabe agora ao TC tomar posição.
Caberá, depois, ao governo aceitar o que venha a ser decidido, com seriedade e serenidade. Não poderá nem deverá, no entanto, criar uma crise política. Bem basta a que já temos, que se traduz num problema muito sério de credibilidade junto da população. Talvez seja altura, então, uma vez conhecida a decisão do TC, de pensar numa remodelação profunda da equipa do governo.