Como previra no meu texto desta semana no Diário de Notícias, o Presidente Joe Biden saiu a perder da sua deslocação ao Médio Oriente. Não conseguiu nenhum resultado em Israel. Não mexeu no dossier palestiniano, para além de uma visita de cortesia ao Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas e da confirmação de um financiamento de 500 milhões de dólares, que serão transferidos através da agência das Nações Unidas que se ocupa do apoio a esse povo, a UNRWA. E ficou nitidamente a perder, no seu encontro com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohamed bin Salman. Este teve mesmo a ousadia de lhe responder, quando o assassinato de Jamal Khashoggi foi abordado, que os EUA também cometem erros.
Também não conseguiu convencer os seus interlocutores sobre a produção diária de petróleo. Para já, não haverá nenhum incremento quanto ao número de barris produzidos.
Tudo isto era previsível. O meu prognóstico não tinha nada de excepcional. Estou seguro que os conselheiros de Biden lhe terão dito o mesmo: neste momento, a viagem estava destinada ao fracasso. Mas o presidente não os quis ouvir. Teve demasiada confiança nas suas capacidades de convencimento. Um erro. Hoje, esses países do Golfo têm outras escolhas, para além dos EUA. São muito mais independentes nas suas decisões estratégicas. E mostraram-no, sem ter de fazer um grande esforço.
Hoje, vi-me forçado a lembrar ao meu amigo D. que estamos em 2022. Já não vivemos em 1991 ou 1998, e ainda menos nas décadas anteriores. Agora, as pessoas e as suas opiniões contam como não contavam nesses tempos. Se os ucranianos não querem ser russificados, ou aderir à Rússia de Vladimir Putin, não há nenhuma teoria geopolítica que justifique o uso da força. Esse uso é pura e simplesmente ilegítimo.
E já agora, o mesmo se pode dizer sobre Taiwan, o Tigray, a Palestina e outros territórios.
O assassinato de Shireen Abu Akleh, na Cisjordânia, deve ser investigado de modo independente e expedito. Shireen era uma jornalista veterana, muito conhecida e respeitada na região. A sua morte não pode ser tratada de modo superficial, não pode ser apenas mais uma numa região em que o inaceitável acontece todos os dias.
Os pormenores do cessar-fogo entre Israel e Hamas ainda não são conhecidos. Houve certamente muita pressão vinda da administração Biden. E o Egipto desempenhou, como no passado, um papel importante. Entretanto, é óbvio que esta crise teve custos elevadíssimos e veio agravar a situação em que se encontram Israel e a Palestina. Um problema que já não tinha qualquer hipótese de solução ficou agora ainda pior e mais complexo.
A União Europeia não tem qualquer tipo de influência sobre as partes em conflito. Amanhã, terá lugar uma conferência dos ministros europeus dos Negócios Estrangeiros, sobre a presidência de Josep Borrell. Mas será um exercício em vão, um tiro de pólvora seca. Aprovará uma declaração genérica, copiada de declarações passadas, e nada mais.
No essencial, os Estados-membros apoiam tradicionalmente Israel. É verdade que insistem na “solução” dos dois estados, segundo as fronteiras existentes em 1967, e com Jerusalém como capital de ambos. Mas essa insistência é meramente simbólica. Os políticos europeus sabem que Israel a tornou inviável. Mas essa constatação é varrida para debaixo do tapete. E os programas de cooperação derivados da associação de Israel com a UE continuarão em vigor.
Hamas é uma organização terrorista. Consta da lista europeia como tal. Essa classificação impede os europeus de contactar directamente com o Hamas. Mas isso não tem importância alguma. Tal como Israel, Hamas não está disposto a ouvir o que possa vir de Bruxelas ou por intermédio de Bruxelas.
O impasse e o sofrimento irão continuar. Benjamin Netanyahu decidirá até quando.
Entretanto, cresce, nalgumas cidades europeias, o ódio contra os cidadãos europeus de religião judaica. É evidente que esse tipo de comportamentos é inaceitável. Deve ser tratado de forma enérgica. Não podemos permitir que se importe para a cena europeia o que se passa no Médio Oriente.
A maneira como o Presidente Joe Biden tem estado a actuar no que respeita ao conflito entre Israel e os Palestinianos mostra que o Médio Oriente não está no topo da sua lista de prioridades. Tem seguido uma linha habitual – a de apoiar o governo israelita, embora sem grandes entusiasmos, e andar aos ziguezagues, no que respeita aos direitos dos palestinianos. Fora isso, nada de novo, que as suas preocupações são, para já, essencialmente de ordem interna. A agenda doméstica é onde estão os problemas que considera importantes e também onde estão os votos que irá precisar em 2022, para consolidar o seu controlo do Congresso.
A destruição, que hoje ocorreu por decisão e acção das autoridades israelitas, do edifício que acolhia os escritórios da Al-Jazeera e da Associated Press em Gaza ficará na história da região e de um conflito que não tem tréguas. Independentemente do resto, tratou-se de uma decisão com altos custos políticos. Na guerra da opinião pública internacional, que é uma frente de combate que também conta e muito, foi um imenso tiro nos pés que Benjamin Netanyahu decidiu arriscar. E acertou em cheio. Não teve em conta, além disso, que a mesma opinião pública já não tinha qualquer tipo de simpatia pelo governo de Netanyahu. Nem pelas linhas políticas que o fazem agir como age.
A apresentação do chamado “plano de paz”, que ontem teve lugar na Casa Branca, fez-me lembrar algo que vou dizendo de vez em quando: uma boa parte das iniciativas políticas são meros actos teatrais. Espectáculo, luz, som e espelhos. Isto é particularmente verdade nestes tempos de televisão e de imagens. Faz-se comunicação, não se resolvem problemas.
A edição de 2019 da Conferência de Munique sobre a Segurança começou hoje e decorre até domingo. Este encontro é um dos momentos altos do calendário anual das grandes conferências internacionais.
Assistimos, nesta década, a uma proliferação de conferências de todo o tipo e sobre os mais variados temas, nas diversas regiões do globo. A maioria dessas iniciativas passa despercebida e não tem qualquer tipo de impacto na tomada de decisões estratégicas ou no diálogo internacional. Tal não é o caso de Munique. Munique tornou-se no Davos das questões de segurança, conflito e paz. Pesa e conta.
Este ano, como já é hábito, terão lugar uma série de encontros bilaterais entre os Estados Unidos, a Rússia e a China, bem como outros.
A situação na Síria, no Sahel, a questão do armamento nuclear e as dimensões de segurança que possam resultar das alterações climáticas estão na agenda. Como continua na agenda a crise na Ucrânia. Fora da agenda, como sempre, estará o conflito israelo-palestiniano. É de demasiado melindroso, para uns, insolúvel, na opinião de outros. Acho bem.
Aprende-se muito sobre relações de força em matéria de política internacional, quando se trabalha numa posição estratégica directamente ligada ao Conselho de Segurança da ONU ou numa agência eminentemente política, como é o caso do programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Tive a sorte de fazer os meus trinta e tal anos nessas “zonas de combate”.
Quem vem das agências humanitárias não tem a mesma experiência sobre as questões de poder. Tem muitas outras vivências e valores, é certo. Traz uma dimensão humana muito forte, que é algo de mérito absoluto.
Mas a política internacional é muito complicada e nem sempre muito sensível às facetas humanitárias.
Isto daria pano para uma dissertação.
Não cabe aqui.
Noto, todavia, que o novo Secretário-Geral teve esta semana duas oportunidades bem complexas de ver como funcionam as relações de poder em Nova Iorque.
Uma relaciona-se com os cortes que a Administração Trump decidiu aplicar ao financiamento da ONU. São reduções financeiras de grande monta, que põem em causa o funcionamento de partes importantes do sistema onusiano. Vão obrigar a liderança da ONU a navegar em águas extremamente agitadas. E trazem exigências e condições que irão fortemente condicionar a autonomia de poder do Secretário-Geral.
A outra diz respeito à demissão de Rima Khalaf, a Secretária-Geral-Adjunta das Nações Unidas e responsável pela Comissão Económica para o Próximo Oriente ( ESCWA). Rima é uma mulher de reconhecida coragem e de grande competência técnica. Uma personalidade influente no mundo árabe.
O Secretário-Geral não concordou com a publicação de um relatório sobre Israel, que ela patrocinou, e exigiu que o mesmo fosse retirado do sítio da ESCWA. Rima disse que não, que o relatório tinha mérito e respondeu à pressão vinda de Nova Iorque pedindo a demissão das Nações Unidas. O Secretário-geral tratou o assunto através da sua Chefe de Gabinete, sem falar directamente com Rima Khalaf, o que me parece ser algo de excepcional, digamos assim, e foi acusado de submissão cega aos americanos e aos israelitas.
Este episódio ficará nos anais por várias razões. Todas elas, bem complexas e sujeitas a interpretações diversas.
É que isto das relações internacionais tem que se lhe diga.