Este é o link para o meu texto de hoje no Diário de Notícias. Cito, de seguida, umas linhas, como já é costume.
"E os principais importadores de cereais são a China, o Egipto, o Japão, o México e a Arábia Saudita. Assim se compreende que nos últimos doze meses, durante a vigência do acordo do Mar Negro, cerca de 25% dos cereais que passaram por esse corredor marítimo tivessem como destino a China. A continuação do acordo, que esta semana expirou por decisão da Rússia, teria interessado à China, para além da Espanha e da Turquia, que adquiriram, respetivamente, cerca de 20% e 10% da carga transportada. E ao nível dos países mais vulneráveis, apenas o Egipto importou um valor com algum relevo (1,55 milhões de toneladas), mais do dobro da tonelagem comprada, para fins humanitários, pelo Programa Alimentar Mundial da ONU."
A agressão contra a Ucrânia vai, nas próximas semanas, privar o mercado mundial de trigo e milho de cerca de 22 milhões de toneladas que estão bloqueadas nos silos, armazéns, portos e navios do país. O bloqueio faz parte da campanha militar russa. O Kremlin sabe que esses cereais são muito importantes para vários países do Médio Oriente e de África. Também está consciente do impacto que o bloqueio tem sobre a segurança alimentar de povos com poucos recursos económicos bem como sobre a assistência humanitária do Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas. Quer agora aproveitar-se disso e negociar a livre passagem desses cereais em troca de um abrandamento das sanções que os Estados ocidentais decidiram aplicar contra a Rússia. Não creio que tal venha a acontecer. Neste momento, a tendência é para o aprofundamento das sanções e não para o alívio. A Rússia não deveria fazer da segurança alimentar internacional uma arma de guerra.
Considera que uma reforma do sistema das Nações Unidas é essencial para a tornar mais eficaz perante as grandes crises do planeta?
As Nações Unidas integram várias agências, programas e fundos. A esse nível, tem havido reformas, reorganizações e adaptação aos novos desafios. Essas componentes do sistema, que incluem siglas conhecidas como o ACNUR, o PAM, a UNICEF, o PNUD, a OIM, os Capacetes Azuis e assim sucessivamente, funcionam bem e são altamente apreciadas por todo o mundo.
A grande questão está ao nível do Conselho de Segurança. Por duas razões: o Conselho não reflete a relação de forças que atualmente existe no mundo; o direito de veto deveria ser limitado – partindo do princípio que é impossível proceder à sua abolição – a situações que pudessem na verdade pôr em causa a paz e a segurança internacionais. Neste momento, há um abuso do direito de veto por parte de certos membros permanentes do Conselho. Procuram assim proteger estados-clientes, ou seja, regimes que violam abertamente as normas internacionais e os direitos humanos.
A reforma do Conselho de Segurança é um tema que daria, só por si, para uma longa entrevista. A realidade é que essa reforma, que está a ser tentada há mais de 30 anos, não irá acontecer tão breve. Por isso, é fundamental que as outras componentes do sistema, que não dependem diretamente do funcionamento do Conselho, continuem a dispor dos recursos necessários para cumprir os seus mandatos. E que o Secretário-Geral tome as iniciativas políticas que a Carta da ONU lhe permite e manda tomar.
A atribuição do Prémio Nobel da Paz 2020 ao Programa Alimentar Mundial tem toda a justificação. Esta agência do sistema das Nações Unidas desempenha um papel essencial na área da ajuda alimentar. É uma das grandes agências, com uma presença muito vasta nos diferentes cantos do globo, incluindo nos mais difíceis. É, além disso, uma máquina perfeita em termos de logística e de resposta imediata. Trata-se de uma organização humanitária, que tem como único objectivo o de salvar vidas. Parabéns, pois, ao PAM e a todos os colegas que nele trabalham ou trabalharam.