Perguntaram-me o que penso sobre um caso que tem estado muito em vista. Respondi que quem manda tem que assumir a responsabilidade. Em caso de negligência, de mau julgamento, de erro crasso, o chefe também deve pagar as favas. Não pode chutar para baixo e dizer que não esteve presente ou que a decisão não foi tomada ao seu nível. Terá, isso sim, que dar-se à cara. O que significa, muitas vezes, demitir-se. Reconhecer o erro e sair de cena.
Assim funcionam as sociedades avançadas. Assim responde quem é de facto um líder e não um mero oportunista ou um fantoche da política. Assim se mede o valor de quem manda.
Segui com atenção o debate de hoje no parlamento britânico sobre o Brexit, bem como a votação das diferentes propostas de moção. No essencial, considero que foi, em grande medida, um exercício destinado a salvar a face dos membros do Partido Conservador e da Primeira Ministra, em particular. Também serviu para os preparar para engolir a pílula amarga. Ou seja, para que aprovem, dentro de duas semanas, a 13 ou 14 de fevereiro, o acordo de Theresa May sobre a saída do Reino Unido da UE.
O resto é espectáculo. Mas uma comédia triste, que vai sair cara.
Muitas vezes, os políticos acreditam mais nas suas palavras do que na realidade dos factos. Não conseguem ver o que lhes entra pelos olhos dentro e acabam por fiar-se nas ilusões que arquitectaram. Procuram, então, soluções para problemas que só existem na cabeça deles. E não aceitam as conclusões e as saídas de crise que se impõem.
O que se está a passar em Westminster, com o acordo sobre o Brexit, ilustra o que acima digo. Deveria ser claro para todos que nesta fase do processo, depois de dois anos de negociações, de discussão de todas as hipóteses e mais algumas, da passagem a pente fino de todos os prós e os contras, existem apenas três alternativas. Que nem serão bem três, mas sim duas e meia, porque uma delas tem poucas probabilidades de poder ser considerada. Mas, enfim, digamos que são três.
A primeira, que é a mais adequada neste momento, a única que faz sentido, passa pela aprovação pura e simples do plano que Theresa May acertou com a UE. Esta aprovação poderá vir a acontecer, surpresa, surpresa, cinco minutos antes da meia-noite. À última hora! Isso quereria dizer que uma maioria dos deputados teria finalmente percebido que o acordo de Theresa May seria, apesar de tudo, a melhor solução. Mas também poderá ser recusada até ao bater da meia-noite.
A segunda opção passaria por um No Deal. Não haveria acordo. Isso aconteceria no caso de falhanço da hipótese descrita no parágrafo anterior. Depois de 29 de março, o Reino Unido deixaria de pertencer à UE e as relações económicas e financeiras entre ambos ficariam por definir. Uma situação deste tipo traria imensas dificuldades para ambos os lados. Ter-se-ia que encontrar soluções caso a caso, no meio de muita improvisação e com custos económicos muito elevados. O maior perdedor seria, de longe, o Reino Unido.
A terceira via passaria pela realização de um novo referendo. É uma opção que não me parece realista. Uma nova consulta popular só viria a ter lugar em finais do ano ou na primeira metade de 2020, por razões legais e processuais. Ora, ninguém que ficar na incerteza por um novo período de tempo, tão longo e tão fracturante. Ainda por cima, por não ser claro qual poderia ser o resultado desse segundo referendo. O pêndulo da opinião pública poderia ir para um lado ou para o outro.
Veremos o que acontece amanhã e nos próximos dias em Westminster. Entretanto, a ampulheta continua a deixar a areia correr. O relógio do tempo não espera, nem parece agora poder ser parado. Há, por isso, que estar preparado, ao nível da UE, para a possibilidade de um enorme desafio e de muita confusão.
As democracias europeias reconhecem o direito de manifestação. As ruas e as praças públicas estão abertas, entre outras coisas, para que os cidadãos as possam utilizar para mostrar o seu agrado ou desagrado com esta ou aquela medida política ou com este ou aquele dirigente governativo. Não deve haver nenhum tipo de ambiguidade no que respeita a este tipo de direito. A cidadania responsável passa, quando for caso disso, pela praça pública.
Mas a rua é para as ocasiões especiais.
O resto, a vida política, deve passar pelo reforço das instituições e pelo bom funcionamento dos partidos políticos. A democracia consolida-se quando se reforçam as instituições de poder e de contrapoderes e quando se garante a representatividade das correntes e das organizações políticas.
Ora, tem-se assistido a uma marginalização das instituições, nomeadamente dos parlamentos. Ao mesmo tempo, os partidos apresentam a tendência para se transformarem em meras correias de transmissão dos líderes, sem liberdade interna nem espaço para o debate de opções.
Tudo isto enfraquece o sistema democrático e dá espaço aos que gostariam de ver a rua transformada num palco onde se tentaria, de modo continuado, derrubar o poder constituído. Assim, pouco a pouco, a ameaça totalitária e os extremismos vão ganhando espaço. Não será suficiente, para já, mas nestas coisas, nunca se sabe.
Ao decidir enviar o Orçamento Geral do Estado de 2013 para o Tribunal Constitucional (TC), após promulgação, para que o TC proceda à verificação sucessiva da constitucionalidade de algumas das medidas orçamentais, o Presidente da República fez o que um político sensato teria feito. Nas circunstâncias actuais, não havia outra solução, apesar do que dizem muitos dos constitucionalistas. Não promulgar não era solução.
Cabe agora ao TC tomar posição.
Caberá, depois, ao governo aceitar o que venha a ser decidido, com seriedade e serenidade. Não poderá nem deverá, no entanto, criar uma crise política. Bem basta a que já temos, que se traduz num problema muito sério de credibilidade junto da população. Talvez seja altura, então, uma vez conhecida a decisão do TC, de pensar numa remodelação profunda da equipa do governo.
O Partido Socialista dá a impressão de andar à deriva. Mas não anda. O que se passa é que a liderança de Seguro não é respeitada. Há muita gente a dizer coisas muito diferentes, e grandes disparates, sobre matérias muito importantes, numa altura em que é preciso haver clareza e sentido de unidade.
Sou dos que pensam que Portugal teve sorte, no que respeita à nova direcção do PS. Seguro tem mostrado possuir sentido de estado. Tem sabido recusar um populismo rasteiro e desmiolado, que está na moda. O mesmo não se poderá dizer de muitos dos que se sentam na bancada do partido.
Portugal está em estado de choque, após ter tomado conhecimento das medidas orçamentais que vão ser aplicadas em 2012.
Durante o dia foram feitas uma série de declarações, até bispos vieram dizer das suas, incluindo o das Forças Armadas, o que parece inaceitável, que mostraram que não há ainda consciência da extrema gravidade da situação em que se encontra o Estado português e a economia do país. Foram poucas as vozes serenas, e menos ainda os que mostraram entender o que se passa e o que nos pode acontecer no futuro próximo.
Vi vários programas de ajustamento estrutural serem aplicados noutras terras. A designação não é inteiramente correcta, pois não se trata de ajustar, mas sim de modificar, de raiz, muitas das práticas que, por haver uma crise económica profunda, se tornaram insustentáveis, inviáveis, impossíveis de financiar. Nesses programas, como agora, o que sempre faltou foi uma linguagem clara, por parte dos que estão no poder, que explique, sem ambiguidades nem disfarces, as razões que justificam as medidas penosas que terão que ser postas em execução.
Como também é importante explicar qual é o papel do sector privado e a importância de atrair investimento estrangeiro, quando a crise é desta profundidade.
Não serei dos que dizem que os ziguezagues políticos dos últimos anos deitaram abaixo a possibilidade de Fernando Nobre ser eleito Presidente da Assembleia da República.
Direi, apenas, que cada um desempenhou o seu papel, nas duas votações de hoje. O PSD manteve a promessa e os deputados decidiram.
O CDS/PP não votou a favor, apesar da aliança de governo, o que é estranho, mas admissível. Mas o que o CDS/PP fez deve ficar como um aviso. A coligação é um acordo de interesses, nada mais. Cada um vai puxar o rabo à sua sardinha. Não há que ser ingénuo. Nem mole.
As listas dos candidatos à Assembleia começam a ser conhecidas. Trata-se das escolhas dos líderes dos partidos. Não têm nada que ver com a democracia representativa. É um apanhado de fiéis, de oportunistas e de saltimbancos da política. E pouco mais, que excepções sempre as há.
Pedir a um partido, que só existe porque congrega os votos do protesto com os da frustração, a que se juntam mais uns pós de simplismo moralizador, que tenha, na Assembleia da República ou fora dela, uma política madura e responsável, é como pedir a um alcoólico que se mantenha sóbrio.
Como também não é surpresa que os mestres do governo aproveitem a ocasião para, tal como donzela manchada, atacar aqueles que são, de facto, sem mais, com todas as suas fraquezas, uma alternativa de poder. Nenhum maroto gosta que lhe chamem maroto em público. Mas, se é um maroto esperto, sabe bem onde focalizar a sua indignação de patife ofendido.
Ver a principal oposição a vacilar, também não tem nada de novo. Faz parte da falta de liderança política, da fragmentação que caracteriza o agrupamento.
Não será igualmente surpresa ver os profissionais do comentário político, gente de muitas palavras e pouco crédito, passar horas, nas televisões e nos jornais, a interpretar uma irresponsabilidade. Na aldeia que nós somos, os compadres falam do que sabem, das coisas pequenas, do que passa pelo adro da igreja.
Dizer que, lá fora, a nossa imagem fica pior com um anúncio de uma jogada parlamentar sem pés nem cabeça, é um exagero. Quem segue a situação, nas principais praças, sabe o que vale uma bagatela desse género.
Os corredores do poder deveriam convidar à serenidade. E à reflexão.