Um dirigente político português disse hoje, numa declaração pública, que os pedidos de adesão à NATO, formulados quer pela Finlândia quer pela Suécia, resultam da "submissão desses países" e de Portugal aos EUA.
Os finlandeses e os suecos, que são povos muito independentes e determinados, ter-se-iam rido imenso, se essa declaração chegasse aos seus ouvidos. Mas como é frase sem nexo, não tem asas para voar. Fica por aqui, na lista das coisas sem importância.
O facto do Presidente Volodymyr Zelensky se ter dirigido ao povo português através de uma sessão solene na Assembleia da República honra a democracia portuguesa. E a nossa resposta foi clara: estamos com a Ucrânia e condenamos a agressão decidida pelo ditador Putin. Não pode, aliás, haver uma outra resposta, excepto para quem se alinha com as ditaduras e os criminosos de guerra. Houve um partido com uma expressão reduzida na AR que preferiu essa opção. Ao fazê-lo, mostrou não compreender onde estão os interesses nacionais vitais. Isso levou-o a tomar posição a favor do inimigo – Vladimir Putin. Numa situação de conflito como a que vivemos actualmente, que está a pôr em perigo as democracias europeias, esse posicionamento equivale a uma traição. E assim deve ser tratado.
O Presidente Vladimir Putin ficou hoje a saber o que já suspeitava: que pode contar com o apoio incondicional de Jair Bolsonaro e do Partido Comunista Português.
Quando todos sabemos que há um novo surto de contágios por vários países da Europa, incluindo nesta nossa parte do Continente, e que a situação de pandemia irá ficar mais grave depois do regresso de férias, do começo das aulas e com a chegada do Outono, eu não compreendo os riscos que o Primeiro-Ministro está pronto para assumir perante a teimosia do Partido Comunista. São riscos de saúde pública. Óbvios, indiscutíveis. E são riscos políticos, pois a falta de coragem de António Costa terá certamente custos em matéria de apoio eleitoral. Que os comunistas insistam na realização da festa, eu entendo. Por essa Europa fora, esses tipos de eventos foram simplesmente adiados. No caso português, os dirigentes do PCP querem mostrar que são capazes de intimidar o governo. E estão a consegui-lo. O PM tem medo deles.
Estamos agora na ponta final deste ano. É a altura de fazer as contas, de proceder ao balanço dos últimos doze meses. Ora, balanços há muitos e cada um fará o seu.
Aqui, em Portugal, em matéria política, 2019 foi um ano de viragem. Um período de rearranjo do xadrez partidário.
O PS manteve a dianteira, acima de tudo porque as pessoas não querem grandes alterações nem querem ouvir falar de austeridade. Não entusiasma o povo, mas também não faz ondas. Deixa andar e mantém a fachada. António Costa é, acima de tudo, um gestor de efeitos luminosos. À sua esquerda, temos um PC que envelhece. Convence apenas os convencidos, que não são muitos. O tempo fará o resto. Os amanhãs que cantam estão agora arrumados nos livros de história que ninguém lê. O BE termina o ano à procura de si mesmo, como um fantasma perdido nos corredores de um emaranhado de ilusões. É, cada vez mais, o partido do irrealismo, dos líricos e dos frustrados sociais.
À direita, o CDS termina o ano em estado de coma. Não sabe para que serve. Sem liderança e sem bandeiras, apertado entre o PSD e a nova direita – liberal ou populista – o CDS é agora sinónimo de irrelevância. Quanto ao PSD, as divisões internas, as ambições das diferentes facções, o cinzento da sua liderança, tudo contribui para que o partido se reduza aos que não querem votar PS e também não querem ir para os extremos. É um escanzelado político, com fome de poder, mas sem forças nem artes para chegar à gamela. Fecha o ano com uma corrida à liderança interna que faz pensar numa caldeirada de peixe que já perdeu a frescura.
Temos ainda as novas representações. Aqui, quem irá marcar pontos, aglutinar a direita e o sentimento anti-PS, poderá ser o Chega. O problema é que se trata de uma banda de um só solista. Quem anda só, pode acabar por se perder. Dizem que o Chega é da extrema-direita. Eu vejo-o mais como uma agremiação populista e oportunista, radical, claro, como um possível viveiro de todo o tipo de direitistas frustrados e combativos. Quanto o Livre, é uma botija de gás que se esvazia rapidamente. Não tem pernas políticas capazes de criar um movimento de apoio suficiente. Durou quatro ou cinco semanas, e já está.
No meio de tudo isto, continua a faltar um movimento de cidadania que marque pontos. Temos, nas associações de cidadania, gente com cabeça. Mas não conseguem ultrapassar as audiências de grupos de amigos. Esta é uma área que vejo, com pena, arrastar os pés e não ser capaz de mobilizar mais energias.
O novo governo de António Costa vai seguir uma política de equilíbrios, à esquerda e à direita. Tem habilidade para o fazer. A questão que resta é a de saber se certas medidas de fundo, que têm sido constantemente adiadas, serão ou não postas na agenda governativa dos próximos anos. Por exemplo, a desburocratização e a capacidade de resposta da administração pública, a política do mar e das águas interiores, o apoio à economia digital e do ambiente, a reforma dos serviços de segurança e de ordem interna, a justiça, e outros que tantos. Ou se a habilidade diz apenas respeito a uma navegação em mares pouco profundos. Com a linha de costa à vista.
Continuo a pensar que o maior problema político que o país enfrenta, neste momento de rentrée política, reside na fraqueza da oposição. Sobretudo da oposição à direita do governo actual. Aquilo a que chamaria a oposição com moderação, peso e medida. A oposição que deveria representar uma parte importante e indiscutível do país que somos.
Sem contrapeso, a política de quem está solidamente no poder perde o sentido de equilíbrio. Com o tempo, fica entregue a um agrupamento de interesses, que, sob uma capa ideológica vagamente definida, se auto-protege e se convence que o país só tem uma visão do futuro, aquela que eles mais ou menos promovem. E, ainda, sem crítica organizada quem manda ganha um sentimento de impunidade que não é bom para a gestão saudável dos recursos públicos. O poder passa a ser uma pirâmide, personaliza-se em torno de um político forte e perde a forma multifacetada que uma sociedade moderna exige.
Nesta realidade, é evidente que o PSD e o CDS/PP estão em crise. Têm lideranças incapazes de responder às necessidade presentes e ao desafio que representa um António Costa hábil e experiente. As intervenções e os cartazes desses dois partidos espelham bem a falta de estratégia, a incapacidade de definir os ângulos de intervenção, a desconexão entre eles e os cidadãos da vida de todos os dias. São dois fantasmas, que parece que existem mas que não são perceptíveis, que o olho comum não consegue enxergar. Como todos os fantasmas, arrastam-se penosamente nos corredores da vida pública, sem ânimo nem expressão definida.
Os outros partidos da mesma área, recém-criados, não têm credibilidade. Também não têm uma marca política que os distinga no nevoeiro que existe à direita do PS. São fantasias pessoais, meras brincadeiras idiotas de quem gostaria de ter protagonismo. Não convencem ninguém, para lá de um grupo de amigos e de outros medíocres da vida.
E assim estamos, nesta rentrée 2019. Falta acrescentar que não cabe neste escrito falar do BE e do PCP. Reconheço, todavia, que vale a pena analisar o fenómeno político que é o BE.
É óbvio que a oposição política ao governo de Portugal não sabe fazer oposição. E que isso contribui para enfraquecer a nossa democracia. Uma oposição medíocre deixa o governo à rédea solta. Com o tempo, perdemos todos.
Advogo o reforço da autoridade do Estado. Acrescento, porém, que seria um erro confundir a ideia de um Estado forte com a promoção da burocracia. Sou contra a burocracia inútil e tentacular, omnipresente e burra. O excesso de regras e regulamentos, de actos administrativos absurdos, consome recursos, complica a vida dos cidadãos, favorece as práticas corruptas e desvia o Estado do seu papel estratégico que é o de criar as condições para que a criatividade e o progresso floresçam.
Sou a favor de um Estado eficaz naquilo que devem ser as suas funções estratégicas de ordenação e protecção da vida da nação bem como na defesa dos interesses colectivos na arena internacional. Um Estado capaz de proteger cada cidadão dos diabos que sempre existem, de promover a igualdade de oportunidades e de projectar uma imagem positiva daquilo que somos enquanto povo.
Não se trata de uma deriva autoritária. Nem a defesa de um regime centralizador. Antes pelo contrário, na minha concepção, o reforço do Estado passa pela descentralização da autoridade administrativa, pela transferência de competições para níveis próximos do quotidiano das pessoas, pelo reforço do poder autárquico e pela criação de espaço e poder para as organizações de cidadania, para a sociedade civil. Sem esquecer, claro, o empreendimento económico e empresarial.
Também sou contra a apropriação do poder do Estado por um partido político, por mais hábil que o seu grupo dirigente possa ser. A “mexicanização” da vida política, com um partido a ganhar sucessiva eleições, leva, sempre, à corrupção, ao nepotismo, às teias de familiares e amigos que passam a controlar vastas áreas da governação, ao descrédito da acção política. A alternância partidária faz parte do reforço do Estado. Quando a oposição anda anos e anos pelas ruas da amargura, à procura do tempo perdido, em nítido desnorte, fico profundamente preocupado. Apetece-me, então, gritar que sem partidos à altura não pode haver um Estado como deve ser.
Um dos partidos marginais de Portugal, mas com assento na Assembleia da República, diz que vai lançar uma campanha para preparar a nossa saída do euro. Trata-se de um partido que teve mérito no passado, mas que hoje é um mero agrupamento de saudosistas retrógrados, que combinam atitudes reacionárias com uma ingenuidade à prova de todos os argumentos racionais. É uma peculiaridade bem portuguesa, que já não existe noutros cantos da Europa.
Dizem que durante a campanha irão negociar com o PS, o BE, os PEV, entre outros que não são explicitamente mencionados. Só espero que os outros incluam o Nicolas Maduro da Venezuela e o Robert Mugabe do Zimbabwe. Ambos têm experiências ímpares de como se consegue arruinar um sistema monetário e uma economia de modo rápido, e depois, colocar a culpa nos outros.
Dito isto, é claro que o populismo político que actualmente sopra por vários sítios, e agora também em Portugal, é uma loucura política muito perigosa.