Continuo a minha descoberta de um lado e do outro da fronteira. Como também continua, em Portugal, a saga triste da acusação pública, a procuradoria da república, que tem elementos que estão mais preocupados com questões de protagonismo e de imagem nos media do que com a isenção da justiça. São procuradores mais políticos do que objectivos. Disponíveis para fazer favores a quem manda.
Estão no sítio errado. Deveriam ser obrigados a sair da justiça e bater-se na frente partidária. A agir abertamente nos partidos de quem são tão amigos.
E os senhores do governo continuam a fingir que não vêem. A manter uma serenidade de estátua de pedra de granito perante uma problemática que diz respeito a uma função essencial do exercício do poder do Estado.
Convém-lhes. É que muitos anos de poder da mesma matiz deram para fazer entender aos senhores da acusação pública que é conveniente ser dócil para com o poder estabelecido. Faz bem às carreiras e à tranquilidade das suas vidas.
No Zimbabwe e no Chade, por exemplo, também é assim.
Depois de passar o dia no Leste do Chade, nos castanhos, tons tão variados, a encher os olhos e a dar cor às terras duras que são a minha vida de agora, voltei a casa e encontrei o meu quarto invadido. A gatinha preta, que fora adoptada durante a minha ausência em Paris, resolveu aproveitar a minha saída, sabendo-me perdido no deserto, para passar o dia deitada na minha cama, mesmo debaixo da ventoinha. Um luxo. Uma gatinha que sabe apreciar os pequenos prazeres da vida. Pequenos, porque no meu quarto, com a ventoinha a todo o valor, a temperatura nunca desce abaixo de 39 graus. 39, sim! Centígrados, meus senhores e minhas senhoras. Andar de calções, no quarto, é expor as pernas ao ar quente e sentir a carne a cozer em lume brando. Um pequeno luxo, de facto, essa ventoinha feita por um chinês do século passado.
A malandreca aproveitou bem o seu dia ao fresco. Nem para fazer as necessidades mais primárias saiu do quarto. Só que os meus polícias pensam que a gatinha é um elemento das Operações Especiais e alimentam-na bem. A produção foi em grande quantidade. Uma enxurrada. Tive que pedir a ajuda da turma de prevenção. A nossa polícia é de uma valia a toda a prova.
Foi um incidente que me fez bem. Permitiu que me esquecesse da " outra produção", a que sai da política portuguesa, com uma evacuação diária. Uma outra enxurrada, nos jornais e nas televisões. O PGR, por exemplo, um assunto actualmente muito na moda em Portugal, faz pensar numa lagartixa mansa, ao lado da nossa gatinha. Talvez a única coisa que tenham em comum é o oportunismo ocasional, o aproveitar o ar fresco, quando ninguém está a olhar. Só que, mais tarde ou mais cedo, chega a guarda e é um fugir a quatro patas.
Permitiu também esquecer que o investimento feito pelas Nações Unidas, no Leste do Chade e na RCA, está em riscos de ir por água abaixo. O que é uma maneira de dizer, pois na secura destas paragens, poucas águas existem. Todavia, esta enxurrada vai deixar muita coisa por fazer. E muita gente por proteger.
Não estou a fazer o elogio do cócó da gatinha que partilha as penas do nosso calor. Entendam bem, que há que ter respeito por estas matérias. Mas a verdade é, que no meio de tanta merdice, há porcarias que não fazem mal ao coração.