O Algarve é uma terra de contrastes. Muita gente pobre lado a lado com muita gente rica. Áreas modernas e sofisticadas na vizinhança de ruínas e desleixo. Estrangeiros e naturais da terra, um pouco por toda a parte. Um povoamento e uma ocupação do território que nada tem de sustentável. Um clima e uma paisagem que mereciam um ordenamento completamente diferente. Uma ilusão num país que tem muita falta de realismo e de dirigentes capazes de aproveitar o muito que a natureza nos deu.
Cada um vê a qualidade da sociedade portuguesa à sua maneira. Assim seja. Mas parece-me um erro ter uma visão irrealista de certas questões. Por exemplo, sobre a corrupção que existe no seio de muitos dos que têm poder. E não se trata apenas de quem tem o poder político. Há uma boa dose de ganância e corrupção em várias esferas da sociedade.
Ou, ainda, sobre a pretensa natureza pacífica do nosso viver em sociedade. Quer dizer que não se dá a devida atenção à segurança dos mais fracos, às consequências do incivismo que define a maneira de viver de muitos de entre nós, que se esconde a violência que se está a propagar com palavras que pretendem servir de biombos.
Também não se fala da pequenez de ideias de muitos de nós. Do gostar de mal-dizer e de puxar para baixo. Quando o horizonte é limitado, as pessoas concentram-se nos problemas que são descortinados do adro da igreja. A praça pública é um quadrado pequenino.
Ou da pobreza que é o quotidiano de muitas famílias, sobretudo nesta altura do frio e do mau tempo. Por muito disfarçadas que as coisas andem, continuamos a ser um país com muitos pobres e más condições de habitação.
A opinião que prevalece é a de elites que nada ou muito pouco têm que ver com origens modestas. Veja-se, caso a caso, de que classe social vêm. Se algum deles ou delas nasceu e cresceu numa família pobre, de província e de perto da pequena ruralidade, é a excepção que confirma a regra. São essas elites que constroem os mitos que alimentam a nossa maneira de ver a sociedade portuguesa.
Uma parte dos meus amigos em Portugal está com gripe. Alguns, com broncopneumonia. Sem contar, claro, com os que tremem de frio. Aqui, nestas terras mais gélidas do Norte da Europa, não tenho, nas minhas relações, quem esteja em situações similares.
Só posso desejar boa e rápida recuperação aos que dela precisam, nas terras lusas.
Morre-se de frio em Portugal. Quando telefono aos amigos, está tudo a tremer com frio, nas suas casas, nas repartições públicas, nas escolas, nos hospitais, em toda a parte. Esse é um dos sinais das imensas dificuldades que a maioria das famílias sofrem. O dinheiro não chega para tudo, em particular para o aquecimento. Temos aqui mais uma prova que os salários médios estão abaixo das necessidades básicas. Tudo isso causa um grande desconforto quotidiano e acarreta problemas de saúde.
Não consigo falar aos meus amigos belgas sobre o frio que a as famílias portuguesas têm que enfrentar. Não entendem. Com as casas e os lugares públicos a uma temperatura confortável, não conseguem visualizar que isso não aconteça num país europeu como Portugal. Um ou outro que vai agora a Lisboa de férias acaba por sentir na pele o que eu quero dizer. Uma amiga minha esteve recentemente num estúdio B &B na zona de Santos e ia morrendo de frio. Não havia radiador algum no alojamento. Como é uma pessoa desenrascada, resolveu o problema com os meios disponíveis – ligou o forno eléctrico que estava na kitchenette, abriu-lhe a porta e aumentou a temperatura da sala única de um ou dois graus. Deu para sobreviver. Nem quero imaginar qual será a factura de electricidade que o proprietário verá aparecer no final do mês.
Passei os últimos dias em viagem. E acabei comparando o desenvolvimento de Portugal com o de Espanha, que é como quem compara o incomparável.
Viajar ao longo da Estremadura espanhola e depois passar para o lado português da fronteira, é um trajecto do dinamismo e do engenho para o abandono e a pobreza. E isto levou-me a pensar que em 2004, se não me engano, disse numa entrevista ao Diário de Notícias que havia um grande défice de liderança política em Portugal. Nessa altura, o meu amigo José Manuel, então jovem Primeiro-Ministro, ficou zangado comigo. Achou que se tratava de uma referência pessoal. Disse-lhe que não, que era um problema geral, comum à nossa classe política. A emenda terá sido pior do que o soneto.
Mas a opinião expressa então continua a ser válida. A nossa classe política não sabe puxar pelo país, não tem grandes ambições patrióticas, não se interessa pelo interior do país, não sabe o que é ser-se pobre nas terras abandonadas das Beiras e do Alentejo.
Isto de andar de um lado para o outro deixa-nos um amargo de boca quanto à falta de incentivos ao desenvolvimento de certas regiões do país. E leva-nos a pensar que a questão da liderança é uma questão fundamental.
Nas nossas sociedades europeias, não há uma compreensão política clara do que significa a precariedade, apesar de ser uma situação vivida quotidianamente por muitas famílias. A política vive num mundo à parte. Deixou de ter raízes nos problemas dos mais pobres. Perdeu o contacto com quem se sente profundamente inseguro.
Estive mais uma vez em Évora, a terra das minhas raízes e onde vivi até à idade adulta. E voltei a entender que existe uma profunda dualidade, que é outra maneira de dizer desigualdade, em vários sentidos, neste país que é o nosso. E que este é um assunto que precisa de receber mais atenção. E que eu não posso tratar assim de fugida.
A quem me perguntou hoje, disse que, no meu entender, Portugal precisa de um governo ao centro. Um governo que esteja assente numa maioria de deputados do PS ou do PSD, ou numa aliança de ambos. Aquilo a que noutros céus se chama “uma grande coligação”.
A "grande coligação" seria, de longe, a minha preferida. Só assim se poderiam adoptar as reformas que o país precisa, com o equilíbrio que necessário. Ou seja, dando ao mesmo tempo atenção à modernização da economia e das instituições e às condições sociais dos cidadãos. Seria igualmente uma maneira de atrair os investimentos que o desenvolvimento nacional requer.
O resto não passaria de experiências de laboratórios políticos, nalguns casos, ou de mais do mesmo, noutros. Dito de outra maneira, tratar-se-ia de idealismos sem asas para voar, num dos modelos. Ou de parvoíce conservadora e insensível às realidades sociais, no outro.
Nas inúmeras viagens de cima para baixo e de baixo para cima, sempre passei ao lado de San Sebastian. Pernoitei mesmo, umas duas ou três vezes, nos Pirenéus ou nas terras vizinhas, mas nunca havia estado na grande cidade do País Basco
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Visitei San Sebastian agora. E digo, de imediato, que vou voltar. É uma cidade linda, com prédios Belle Époque e uma arquitectura excepcional. Tem muita vida, grande variedade de comércios e um passeio à beira-mar que é uma maravilha em termos de gosto e organização.
Saí desta breve visita ainda mais convencido que as cidades espanholas e as portuguesas se encontram em dois mundos à parte. Do nosso lado, as urbes são meras aldeias grandes.
Temos, também, uma longa história de atraso. Vem de longe.
O meu escrito de ontem sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) mereceu um comentário muito pertinente do meu Amigo LFBT. Aconselho a ler o que ele anotou. E respondo que a solução para o que funciona mal no que respeita ao nosso SNS não é, como aliás ele bem frisou, a medicina cara e comercial praticada pelos seguros de saúde privados. A solução é um SNS mais eficiente, mais justo, mais equilibrado e mais acessível e atento aos que mais precisam. E mais médicos, de família e especialistas.
Mas, acima de tudo, há um problema de atitude que é preciso resolver. Não apenas a atitude que LFBT encontrou nalguns casos da medicina privada, que passa por tentar levar ao consumo de tratamentos que não se justificam. Falo, também, de uma atitude mais geral, que leva muitas vezes os médicos a não ver a pessoa, no sentido de não lhe dar a consideração, a atenção devida, e a tratar os pacientes por cima da burra.
Tenho ainda presente que os mais pobres hesitam em ir às consultas não apenas por que não querem ser humilhados mas também porque “descobrir” que se está doente acarreta despesas, que mesmo subsidiadas, são incomportáveis para quem não tem recursos.