Tenho muito que receio que o acordo entre o PSOE – os Socialistas espanhóis – e Podemos não tenha a consistência necessária para ser governo. Até agora ainda não apareceu ninguém na fila a querer juntar-se aos dois signatários. Sem que isso aconteça, não há maioria suficiente nas Cortes. Poderá haver um governo que passe, mas passará apenas enquanto o resto dos deputados o entenderem. Ora, a extrema-direita e a direita estão a cavalgar uma onda nacionalista, que o PSOE e o Podemos não poderão acompanhar. Estão em maré crescente, enquanto os dois partidos da esquerda e da extrema-esquerda estão numa situação de estagnação política e de indefinição quanto a uma questão tão fundamental em Espanha, a questão das nacionalidades.
Na minha opinião, a Espanha está hoje numa crise política profunda. E assim irá continuar, a não ser que me engane. Bem gostaria, neste caso, de estar enganado. Por causa da estabilidade dos nossos vizinhos e por causa do impacto que a situação espanhola pode ter na nossa economia.
As primeiras estimativas dos resultados das eleições legislativas espanholas mostram que o país continua fracturado e difícil de governar. As formações de esquerda perderam assentos, embora o Partido Socialista (PSOE) ainda constitua o maior grupo de deputados nas Cortes de Madrid. A direita subiu. Sobretudo, o partido ultra-nacionalista e de extrema-direita VOX. No conjunto, houve quem votasse como sempre o fez, por razões de identificação ideológica, como também houve uma vaga nacionalista, a apostar na direita, sobretudo na mais radical.
Não vai ser fácil construir uma coligação que possa governar. Mas os políticos dos partidos mais institucionais terão que encontrar uma fórmula. Não se pode pensar em novas eleições, como também não é possível ter um governo com uma base política precária, numa altura em que a Espanha atravessa graves problemas políticos internos.
Com uma taxa de participação nas eleições gerais de hoje próxima dos 73%, os eleitores espanhóis deram-nos uma lição de democracia. Como já nos haviam dado uma outra de política popular, de empenho cidadão, ao criarem dois poderosos movimentos de massas, Podemos e Ciudadanos. Sem esquecer que ambos tiveram excelentes resultados nestas eleições.
Podemos é um movimento popular bem mais genuíno que o Syriza. Nasceu das manifestações espontâneas dos últimos dois anos.
Não é, como a contraparte grega, uma salada russa de pequenos partidos e grupos anarquistas, das mais variadas obediências.
E nisso, o Syriza parece-se mais, na sua génese, com o que está a acontecer em Portugal, em que uma salganhada de personalidades mais ou menos inexperientes e pouco convincentes anda a reunir-se e à procura de uma dinâmica política que teima em continuar nas mãos ineptas dos partidos tradicionais.
Uma vez mais, a Espanha aqui ao lado parece ser uma terra bem distante.
A Grécia vai a eleições gerais dentro de umas semanas, porque o parlamento não conseguiu eleger o novo presidente da República.
O centro da Europa e os mercados receberam a notícia com serenidade, talvez mesmo com uma certa dose de indiferença. A Grécia é hoje vista como um caso nas margens da política europeia, sem peso político nem económico. O risco de um impasse governativo é tido, por isso, como uma questão grega e não como um problema europeu.
A possível vitória de Syriza, a coligação de extrema-esquerda que se apresenta aos eleitores como sendo contra a austeridade, deixou de fazer medo. Por várias razões. Primeiro, porque Syriza não deverá ter o número de votos suficientes para constituir governo. Segundo, porque permitiria mostrar que o núcleo duro da UE não faz concessões a partidos que saiam fora do quadro institucional estabelecido. Ou seja, Syriza seria utilizada para mandar uma mensagem forte a outros, como o movimento Podemos em Espanha. Terceiro, porque seria uma oportunidade para clarificar as relações com a Grécia e o lugar desse país no quadro europeu.
A posição que prevalece é clara: aos gregos o que é dos gregos. Se querem ir a eleições, pois bem, que o façam. Se pretendem criar uma situação de ingovernabilidade, que assim seja. Se desejam suspender o programa com a tróica, que mais se pode fazer senão aceitar?
Este é o espírito que prevalece actualmente nos círculos de poder na Europa. Parece-me importante tê-lo em conta.