Entre uma viagem até à fronteira, com uma mão mal cheia de embaixadores importantes, uma entrevista à BBC (Língua Portuguesa) e outra, bem longa, à Radio France Internationale, umas reuniões com trabalhadores humanitários, e outras com autoridades da administração local, pensei numa historieta que poria um sapo e um elefante juntos, à volta da mesma poça de água. Uma lenda como muitas, em que o gigante vive sem atender aos pormenores da vida, cortando sempre a direito, e o pequenino, quando se vê ao espelho, imagina-se tão poderoso como o elefante que lhe é vizinho. Passei algum tempo a pôr contornos nesta relação estranha. Neste drama, vivido à beira da frescura da água que dá vida ao mato.
A historieta ficaria, no entanto, por contar. O barulho dos motores do último helicóptero do dia, o terceiro, já por volta das cinco da tarde -- "eran las cinco en punto de la tarde", escreveu Federico García Lorca, há tantos anos -- pareceu-me fora do normal. O engenho voava baixo, a cem metros do solo. Parecia que tinha dificuldades em avançar. Várias toneladas de aço soviético, produzido há tanto tempo, talvez nos momentos áureos da guerra fria. O vento, que soprava de lado, fazia-o dar golpes da cauda. Passei uma boa parte do tempo a olhar desesperadamente pela janela, a medir cada pedregulho, a estimar o diâmetro de cada clareira. Cheguei a pensar que teríamos que aterrar de emergência, no meio da desolação. Preocupei-me, então, com uma coisa estúpida: o embaixador francês havia-me dito que tinha uma jantar na sua residência, este serão, e eu comecei a pensar que o homem teria que passar a noite nestes ermos, longe dos seus convivas, que, ainda por cima, eram gente de artes e letras, de cinema e folhetins, todos muito bonitos e elegantes, e o pobre do embaixador, de botas, cheio de pó, esfomeado, a viver o frio da noite que seria passada no deserto.
Com tudo isto, o sapo e o elefante fugiram da minha mente. A própria poça de água, uma visão tão frequente nos desertos que me rodeiam, deixou de me parecer real. E agora, quando voltar a tentar escrever esta narração, o enredo terá sofrido e o conto será outro. É que esta vida que me ocupa não deixa grandes espaços para a imaginação.
Por detrás desta fotografia, tirada há uns dias, no deserto do Ennedi, esconde-se alguém que se define como um arrumador de esperanças. Uma profissão ambígua, confesso. Pertence ao grupo genérico dos arrumadores.
À porta de casa, a minha tenda em Birao, capital da Vakaga, uma residência de luxo, com internet e tudo, a badalar o sino de um ano que será um tempo de grandes mudanças. Há que ter a coragem de enfrentar novos desafios, abrir outros horizontes, começar uma vida diferente. Não é apenas renovação. 2010 é um ano novo.
Um bom Ano de 2010 para todos os que seguem o meu blog.
Ontem e hoje, passei várias horas de Learjet, a atravessar a África Central. Felizmente que o jet é rápido e confortável. A tripulação, dois jovens alemães, um dos quais Negro, que mesmo na Alemanha, o mundo está a mudar muito depressa, é muito flexível, o que me permite voar logo que a missão em determinado país esteja concluída.
Hoje começámos o dia em Bangui. Tinha uma reunião com o General comandante das forças expedicionárias da África Central. Um homem dos Camarões, com duas estrelas e muita paciência. Que isto de ser comandante militar em zonas de grupos armados exige sabedoria e calma.
Tinha dormido numa residencial, junto à Catedral, no sopé das colinas de Bangui. Um sonho, acordar cedo e ver as árvores de grande porte, duma vivacidade única, que nos dá força e faz desejar todas as belezas do mundo. As colinas estão menos densas do que há 25 anos, quando vivi nesta cidade. Mas continuam a ser povoadas por árvores tropicais que impressionam o viajante de olhos abertos.
Como é frequente, a manhã estava azul de linda. As nuvens, como nas nossas vidas, só aparecem ao fim da tarde.
Seguimos, depois, muito para Norte. Directamente de Bangui para Abéché. Do Equador e dos rios potentes, para o deserto e as colinas de pedras nuas. O vento sopra desde o início da história em Abéché, e as colinas já não têm solo. A erosão é tal que cada colina é apenas um amontoado de pedregulhos, sem terra que faça a ligação. Parecem pirâmides egípcias.
Nesta altura do ano, os wadis --rios temporários, comuns no deserto -- estão semeados de poças de água. Faz bem ver água nestas terras de cascalho e areia.
No deserto, a tarefa política era iniciar a plantação de 5 000 árvores. Acácias. Resistem à falta de água. Cada acácia é como um voto de confiança que obtenho das populações locais. Cada árvore é um reabrir da esperança.
Houve grande festa. As mulheres locais estavam lindas, nos seus vestidos brancos e lenços vermelhos, as cores da felicidade. Eu estava de fato, pois vinha do meu encontro com o General. Nunca tinha plantado árvores de fato. Digo-vos que não é nada cómodo. Mas consegui enterrar umas plantas de manga, que é um fruto muito apreciado.
Umas horas depois, estava em N'Djaména. A discutir geopolítica com os Franceses.
No final do dia, consegui arrastar os pés para fora de todas estas ocupações. Que grande vitória.
Este blog festeja hoje o seu primeiro ano de escrita. Nem sempre foi fácil encontrar o tempo e a vontade, que isto de andar aos trambolhões pelo mundo dos outros tem as suas dificuldades. Mas tem valido a pena. Existe um número muito razoável de leitores fiéis, uns textos que saíram bem, muitas fotografias originais.
Noite de viagem. No desconforto de Air France, num avião com lugares a preços de roubo e com a comodidade de um banco de pau. Falo na classe de cima, que a secção sardinha leva o pessoal todo enlatado.
Grandes negócios. A mania de quem pensa que ainda conta à maneira grande e não vê a concorrência a surgir de todos os lados.
Vou a coxear, que a minha direita está sem forças.
E hoje, não há política, que os tempos não dão para folias, nem para loucuras.
A política portuguesa faz-nos medo. Pior ainda, nesta altura pré-eleitoral. Saem todos os medíocres à rua.
Quem anda por muitas terras, e vê o que vê na frente portuguesa, fica de olhos esbugalhados, sem saber para que lado se virar. E com um sentimento de impotência, que a opinião do povo não conta, os senhores protegem-se, fingem que não vêem, que não ouvem, que não entendem. É tudo uma boa sacanice, sem nenhuma preocupação pelo bem comum, pelo futuro, por um Portugal que consiga singrar.