A interdição imposta pela Lituânia contra o trânsito através do seu território, por via-férrea, de certos bens pertencentes à Rússia e que estão na lista de sanções da UE, é muito grave. E é um erro que pode provocar uma confrontação entre a Rússia e um país membro da NATO.
Os bens estão a circular entre partes da Rússia – a passagem pela Lituânia faz-se por um corredor especial, estabelecido para o efeito – e não devem ser considerados como exportações ou importações do Oblast de Kaliningrado. São transferências domésticas.
Josep Borrell considera que a Lituânia tem razão. Eu considero que não. E mais. Isto deixa-me muito preocupado.
Com o Brexit, confirmou-se que a União Europeia nunca será uma verdadeira potência, pois é muito menos do que a soma das partes e até perde algumas delas?
A noção de potência evoluiu neste século. E ainda bem. Já não é simplesmente o resultado de uma projeção de força armada. A velha noção de poder militar perdeu muitas penas no Vietname e mais recentemente no Iraque e no Afeganistão e já não voa muito alto. Quem fala numa Europa da defesa deveria ter presente esses exemplos. Isso não quer dizer que as forças armadas não sejam importantes. Mas, nas relações internacionais, o que conta e é duradouro é o poder de influência. A capacidade e a habilidade de levar outros estados a adoptar certas medidas, seguir determinados valores, olhar para nós como uma fonte de mediação de conflitos e de estabilidade, como um modelo de democracia. É nisso que a UE deverá apostar. No poder do convencimento, com base nos princípios da liberdade e dos direitos das pessoas.
Penso também que com o tempo o Brexit pode ser entendido como uma vantagem. A saída de um país que na realidade nunca quis fazer parte do conjunto deve permitir o reforço da unidade e aguçar a identidade europeia. A identidade histórico-cultural é uma alavanca de poder. A Europa precisa de investir nessa via.
A questão migratória está de novo no centro das discussões europeias. Num contexto internacional profundamente alterado, a única preocupação para muitos dos dirigentes europeus é a de evitar movimentos de massa de pessoas vindas do Afeganistão. Estão prontos para gastar o que for preciso para conter os refugiados e os migrantes afegãos nos países vizinhos, no Paquistão e mesmo no Irão.
O receio dos movimentos migratórios deveria fazer os europeus pensar duas vezes antes de enviar expedições militares para países longínquos, fora de um mandato internacional aprovado pelas Nações Unidas.
Deve ficar claro que Vladimir Putin é hoje uma maior ameaça para a União Europeia do que há oito ou nove anos atrás, quando voltou a assumir a presidência da Federação Russa. E à medida que a oposição interna aumentar, o que está a acontecer agora, essa ameaça tornar-se-á ainda maior. Para Putin, a oposição é o resultado de apoios estrangeiros, nomeadamente de acções clandestinas fomentadas por certos países europeus. Foi educado politicamente nesse tipo de pensamento e não consegue sair desse quadro mental. Por isso, a resposta à oposição será sempre repressão, na cena doméstica, e agressividade, contra os “inimigos” exteriores.
Há que compreender isto. E, ao nível europeu, agir em consequência. Com Putin, não se pode improvisar nem ser ingénuo.
Alexander Lukashenko andou na escola política dos soviets. Por isso, acredita que uma vez chegado ao poder seria um erro largá-lo. Assim o pratica há 26 anos. E isso impede-o de ver que a população do seu país, a Bielorrússia, quer que ele desapareça da cena política. As eleições deverão ter expresso isso. Só que ele manipulou e baralhou os resultados, de modo a que a falsificação o mantivesse no poder. Os cidadãos estão nas ruas. Apesar da violência da polícia. Nós, neste lado da Europa, devemos dizer a Lukashenko que o tempo dos ditadores à moda soviética já acabou há muitos anos. Mesmo que a União Europeia não tenha a coragem de o declarar abertamente, a opinião pública deve ser clara: estamos com o povo da Bielorrússia e condenamos todas as falcatruas eleitorais e toda a violência contra as pessoas.
Creio que a contagem decrescente para Alexander Lukashenko já começou. E que poderá ser acelerada nos próximos tempos.
O meu texto de ontem no Diário de Notícias tinha várias mensagens, o que na realidade era excessivo para um escrito com um limite máximo de caracteres não muito alto. Para além do resto, a mensagem fundamental era simples: existe um risco de descarrilamento e conflito na competição por hegemonia entre os Estados Unidos e a China. Essa competição está a agravar-se e nenhum dos lados quer dar parte de fraco. Existe, além disso, o risco da Europa ser apanhada na engrenagem deste processo de confrontação aberta. Seríamos arrastados para uma crise grave que não é no nosso interesse.
A Europa deveria definir uma política externa mais clara e independente, face às duas potências em disputa. Infelizmente, não existem condições para que isso aconteça. A política externa europeia continua dividida, quer no que respeita à China quer aos Estados Unidos. Fica, assim, enfraquecida e vulnerável às pressões vindas de um lado e do outro. Sobretudo, às que vêm de Washington.