No Dia de Portugal não se dizem tolices. Essa deveria ser a regra para os políticos. Eu sigo-a. Por isso, limito-me a dizer: lutemos por um Portugal melhor, não baixemos os braços nem caiamos na piada fácil ou nos extremismos que têm uma frase para tudo, mas que nada resolvem, a não ser complicar ainda mais a situação.
E que cada um aceite as suas responsabilidades e contribua como melhor possa.
Conviria lembrar aos dirigentes do Estado – e aos políticos em geral – que a banalização e o uso muito requente das intervenções mediáticas acabam por minar a autoridade de quem o faz. Comunicar é importante, nos dias de hoje, é mesmo essencial saber fazê-lo bem, de forma clara e acessível. Mas vir à televisão ou aparecer nos jornais por dá cá aquela palha tem um impacto negativo sobre o simbolismo que deve estar associado ao exercício do poder.
Há quem confunda muita conversa com capacidade de liderança e prova de inteligência. Não estou de acordo. Nos tempos de hoje, muitas palavras, explicações que nunca mais acabam, discursos com muitas letras, são um enfado.
A Chanceler Angela Merkel não gosta de políticos que falem pelos cotovelos. Eu também não. Um dos casos mais flagrantes é o de Emmanuel Macron, o Presidente da França. Nas conferências de imprensa conjuntas, com a Chanceler, Macron faz intervenções muito longas, que aborrecem a contraparte e nada acrescentam para o esclarecimento da matéria em causa. Mas há outros assim. Um dos personagens portugueses mais em vista, na cena internacional, tem o mesmo hábito. Lembro-me perfeitamente da primeira vez em que fizemos uma viagem de campo juntos. A impressão que me ficou, para além da sua inteligência e da enorme rede de contactos que tinha, foi a de que falava sem parar. Cansava.
Angela Merkel não é assim. É parca nas palavras, diz o que precisa de ser dito e passa ao assunto seguinte. Na minha opinião, essa maneira de agir é mais eficaz do que uma longa conversa.
A decisão tomada ontem pelo governo britânico exclui Portugal da lista dos chamados “países seguros”, em matéria de contágio. É óbvio que essa exclusão tem um impacto muito forte sobre a imagem do nosso país e os sectores económicos dependentes do turismo. Afasta os viajantes que viriam do Reino Unido e não só. Nestes tempos de grandes medos, a decisão acaba por afectar outros potenciais turistas, noutros mercados europeus.
A verdade é que o país, visto no seu conjunto, e é assim que as coisas se decidem quando olhadas de longe, não está bem. Os indicadores mostram um nível de contágio elevado. Foi isso que levou os britânicos a decidir como o fizeram. Assim, as reacções oficiais ou de gente com poder institucional aqui na nossa terra não me parecem ter sido adequadas. Foram demasiado emocionais e violentas. Patrioteiras, diria o outro...
Não é assim que se faz política, num caso como este. Eu teria simplesmente expressado o desapontamento e acrescentado que tudo seria feito, incluindo junto do governo britânico, para explicar melhor a situação portuguesa e obter uma mudança na apreciação. E ficava por aí.
Hoje senti-me como muitos políticos se sentem no seu dia a dia: com excesso de confiança. Por isso, andei perdido num parque de estacionamento durante quarenta minutos e com uma impressora nos braços, à procura do carro, que me havia sido emprestado e de que não conhecia a matrícula, com excepção das letras do meio. E também como é hábito entre os políticos, limitei as minhas voltas do desespero à zona da cor de laranja quando a coisa estava estacionada na azul.
Hoje, vi passar pela frente dos meus olhos toda uma série de mails sobre o novo aeroporto de Lisboa. Cada um defendia uma opção, entre o Montijo, Alcochete, Ota e assim sucessivamente. E atacava os diferentes governos das últimas décadas, a começar pelo de Guterres, nos anos 90.
Não me meti ao barulho. Trata-se, a meu ver, de mais uma história triste, que me faz duvidar da nossa capacidade de pensar de modo estratégico e com o futuro em mente.
Uma das conclusões que retirei da minha última viagem à Índia é que não serve para grande coisa ser-se uma vaca sagrada. As pessoas passam ao lado, continuam preocupadas a tratar da sua vida e o bicho anda por ali a vaguear, intocável mas sem qualquer tipo de influência. Dir-se-ia, em muitos casos, que se tornaram invisíveis, apagadas pela azáfama do quotidiano.
Lembrei-me disto ao ver as nossas pretensas “vacas sagradas”, sobretudo as políticas, a serem ignoradas da mesma maneira. Os cidadãos, tal como na Índia, pouco ou nada lhes ligam. Elas continuam a aparecer nos lugares públicos, mas a veneração que o “sagrado” lhe dera noutros tempos parece ter desaparecido. O que conta, agora, é lutar pelo dia a dia e evitar as burocracias que têm muito pouco de espiritual.
Aqui, neste espaço, a amizade verdadeira conta mais do que as divergências políticas. A amizade dura mais. As opiniões políticas, ou mudam com o tempo, ou são cegas, e nessa altura não vale a pena estar a insistir.
Também aqui, a força do argumento pesa mais do que a berraria descabelada. Berra-se muito, na nossa cena política. Mas isso não leva água a nenhum moinho. É, pelo contrário, sinal de fraqueza, sobretudo da mente.
No seu discurso de Ano Novo, o Presidente da República quis combater o pessimismo generalizado, a desmotivação reinante neste momento na sociedade, a maledicência, que se transformou numa espécie de passatempo nacional. Pintou, na verdade, um retrato do país que mostra a existência de uma crise moral aguda e de uma perturbação profunda da vida política, que deixou de ter a credibilidade necessária.
Creio que as palavras do Presidente Hollande podem ser igualmente lidas noutros cantos da Europa, incluindo nas terras da beira-Atlântico.
Se você acredita na conversa das principais figuras da política portuguesa, presentes e passadas, o problema não é apenas seu. É de todos nós. A sua burrice junta-se à estupidez de muitos outros.