A crise criada pela clique que controla o poder na Rússia põe em causa o futuro pacífico da Europa, para além da destruição que provoca no Ucrânia. Deveria ser resolvida com um tratado de paz abrangente, que englobasse todas as partes. Mas não vejo hipótese alguma de se conseguir um tal tratado. Deve, no entanto, repetir-se continuamente que essa seria a única solução razoável e respeitadora dos direitos soberanos da cada Estado.
Um armistício e um congelamento das hostilidades é inaceitável, por beneficiar o infractor. Não é impossível de obter, mas deixaria o problema por resolver e acabaria, mais tarde ou mais cedo, por dar lugar a uma nova agressão russa e a uma nova guerra. E abriria a possibilidade de outras agressões da Rússia contra a sua vizinhança ocidental, a começar nos países bálticos ou na Polónia. A Rússia ficaria sempre a ganhar e, por isso, não hesitaria, embora se tratasse de países da NATO. Procederia a um ataque rápido e de surpresa, e depois de ocupar algum território, sobretudo um corredor que lhe permitisse ligar a província de Kaliningrado à Bielorrússia e à própria Rússia, mostrar-se-ia pronta para assinar um acordo de tréguas.
Agora já não é o simples de espírito do Dmitry Medvedev que fala do uso de armas nucleares e da possibilidade de uma III Guerra Mundial. O papel dele, o de abrir essa possibilidade, terminou. Hoje foi o chefe quem falou do assunto. E não estava com um ataque de fantasia ou a tentar meter medo aos medrosos. Falava a sério. O homem que manda no Kremlin receia uma derrota no Leste da Ucrânia. E, por isso, fala da possibilidade de voltar a atacar Kyiv e de usar armas radioactivas, incluindo contra os EUA. O seu estado mental está bastante perturbado. Quando diz o que hoje disse é de se acreditar que estamos à beira de uma situação muito séria. Agora não é já só a Ucrânia que está em perigo. É todo o mundo ocidental. A começar pela Polónia e o Reino Unido, segundo parece. Neste contexto, o mundo ocidental tem de pensar a sério no que devem ser os seus próximos passos. Para começar, deve acreditar que a situação se está a complicar rapidamente.
A Polónia está rapidamente a tornar-se uma das economias mais dinâmicas da UE. Os novos Estados membros da Europa do Leste estão a mostrar um dinamismo e uma capacidade de aproveitamento da integração europeia que nos é desconhecida. De quem é a culpa?
A decisão do Chanceler Olaf Scholz sobre os tanques Leopard 2 merece ser reconhecida, apesar da ter demorado algum tempo antes de ter sido tomada. E o facto de fornecer carros de uma geração mais moderna, a A6, tem também muito mérito.
Esta decisão vai libertar muitas outras dádivas que estavam na forja, a começar pela que virá da Polónia. Veremos, agora, qual será o número total de tanques que chegarão à Ucrânia. Esse é um dado importante.
O Kremlin irá reagir, mas penso que será sobretudo uma reação verbal. As forças armadas russas têm muitos problemas por resolver. E estão em disputa com os mercenários da Wagner. Estes, segundo certas fontes de informação, estão com dificuldades logísticas e com problemas humanos, pois perderam uma grande quantidade de combatentes nas últimas semanas, nas campanhas de Soledar e de Bakhmut. Mas, sobretudo, perderam influência junto de Vladimir Putin.
O meu post de ontem partiu de um pressuposto que os factos disponíveis hoje revelaram precipitado e incorrecto. Ou seja, o míssil que caiu numa aldeia fronteiriça polaca não fora disparado pelos russos. Foi um disparo ucraniano para defender Lviv dos 13 ou 14 mísseis que os russos enviaram durante o dia contra aquela grande cidade da parte ocidental da Ucrânia. Infelizmente, caiu em território polaco e fez duas vítimas mortais.
Podia ter apagado o post de ontem. Mas deixei ficar por essencialmente três razões. Primeiro, para mostrar que nestas situações complexas é sempre melhor esperar por informações mais completas antes de se tirar qualquer tipo de conclusão. Segundo, porque o texto descreve a táctica habitual do Kremlin. É bom ter isso sempre presente. Terceiro, porque mencionei, no meu comentário à Antena 1, a necessidade de se continuar a insistir, no tratamento desta crise criada por Vladimir Putin, numa diplomacia forte e coerente. Estes pontos continuam válidos, mesmo se a origem do míssil tenha sido diferente da que se pensava que era, ontem ao fim do dia.
A criação de um evento paralelo, que desvie as atenções internacionais da humilhação ou da condenação que a Rússia está a viver nos grandes fóruns internacionais, é uma táctica habitual do Presidente Vladimir Putin. É um especialista no sequestro das agendas das grandes reuniões, fazendo-as desaparecer do mapa mediático, para que não se note o isolamento russo.
Hoje foi o bombardeamento de uma aldeia fronteiriça polaca com mísseis russos. A partir de então todos se esqueceram de Bali e do G20, das críticas à política criminosa de Putin e aos apelos ao fim da guerra. O espaço noticioso e os comentários foram preenchidos pela violação armada da fronteira polaca.
O modelo seguido por Putin implica igualmente a negação de qualquer responsabilidade russa. Mal os mísseis haviam caído na terra polaca que já estava o governo russo a negar qualquer tipo de envolvimento e, como estás nos manuais de procedimentos do Kremlin, a dizer que tudo isto era uma provocação contra a Rússia.
Numa pequena entrevista que dei à Antena 1, aconselhei que a resposta a este acto de agressão fosse firme, ou seja, diplomaticamente forte, mas prudente. Porquê? Simplesmente por se tratar de um desenvolvimento gravíssimo no nosso relacionamento com Putin. Deve ser respondido de modo coerente. E sublinhar que não podemos continuar a viver com um vizinho que não respeita as regras da boa vizinhança.
Olaf Scholz é um político pouco habitual. Não tem manhas, não grita, não insulta os oponentes, não despreza os jornalistas, não mostra arrogância. Muito o contrário do que temos aqui por casa. Mas é o chanceler da Alemanha, desde o final do ano passado, e por isso, tem peso e deve ser ouvido.
No início da semana, proferiu um longo discurso na velha e prestigiosa Universidade Charles de Praga. Falou da sua visão da Europa.
Foi um discurso positivo, que defendeu a reforma das instituições e dos tratados, o papel geopolítico da União Europeia, o distanciamento em relação à Rússia, mas também uma maior autonomia no que respeita ao relacionamento com os Estados Unidos, o alargamento aos Balcãs e a Leste, e mais. Também reconheceu a tragédia que a Alemanha criou na Europa de há oitenta anos e o facto de isso continuar a pesar na consciência colectiva alemã.
Com a crise criada pela Rússia, o centro de gravidade política da Europa está a mover-se para Leste. Os polacos, os bálticos, os nórdicos, e outros, estão a tornar-se cada vez mais determinantes na definição da agenda europeia. A Alemanha considera que pode fazer a ponte entre esse grupo e o lado ocidental da UE. O discurso de Scholz pode ser visto a partir desse prisma.