Estive ontem em Ansião e Penela, no centro de Portugal. São ambas as localidades sedes de município. E até parecem ser geridas com algum cuidado. Mas o que mais me impressionou foi a sua dimensão bastante reduzida bem como a vida parada que se vive nessas terras. Pacato é uma coisa, falta de animação é outra bem diferente. Quem por aí fica acomoda-se e aceita. Ou então, dorme aí mas vai trabalhar o seu quotidiano em Pombal ou em Coimbra.
Passei o dia entre Pombal e Ansião, a apreciar o dinamismo daquelas gentes e a aprender a falar uma nova língua, cada vez mais frequente nessas terras, sobretudo nos meses do Verão. Um língua que mistura o português com um francês desenrascado. Resulta da emigração de muitos para as terras do além-Pirenéus, um movimento que data dos inícios da década de sessenta do século passado.
Agora, os mais velhos estão de volta, alguns de vez – só não fazem esse retorno de modo oficial porque as vantagens fiscais que se aplicam aos franceses reformados que decidam estabelecer-se em Portugal não abrangem, por discriminação e cegueira política, os portugueses que voltem definitivamente. E ao voltarem trazem consigo o “feruge” – de “feu rouge”, semáforos –, os “volés” (persianas), o “frigidére” como frigorífico, e assim sucessivamente. E sobretudo, trazem uma grande desenvoltura e um “savuare-fére”, uma série de aptidões, de quem tem “savoir-faire”, que devemos apreciar e estimular.
Estive esta semana em Vila Cã, aldeia que é sede de freguesia do concelho de Pombal. Aí se encontram as raízes familiares paternas.
Com vista para a Serra do Sicó, a 10 quilómetros de Pombal, Vila Cã é hoje um espelho do que tem sido a modernização de certas zonas rurais portuguesas. Tem estradas por todos os lados, vivendas feitas a preceito, centro social, escola primária, luz e água canalizada.
Uma boa parte do progresso resulta da proximidade e da facilidade de acesso a Pombal, cidade que é fonte de emprego e de negócios. O resto é fruto da emigração, que nesta terra foi sempre uma componente inevitável na vida das famílias. Já o meu Avô fora emigrante em França, na segunda década do século passado. Voltou à aldeia por causa da guerra, a Primeira, com uma mão atrás e a outra à frente, mas com os olhos abertos e a cabeça arejada.
Partilhas ao longo de gerações levaram ao fraccionamento das terras. Há uns anos atrás, esses minifúndios estavam entregues às silvas. Agora, com a crise, as coisas mudaram. Há mais cultivos, terras melhor aproveitadas. O que falta do lado do emprego e dos salários é, neste momento, compensado com as batatas, as hortaliças e as outras culturas ligadas à economia doméstica. E pelos animais de capoeira.
E assim se vai vivendo. Que ficar parado à espera de dias melhores dá para morrer de fome.
No país parado existem vários circos. Estamos, aliás, numa fase em que há mais feira do que pão. Um deles tem como cabeça de cartaz o bufão optimista. Malabarista profissional, é um artista com cara de mau, dentes arreganhados, olhar esgazeado, senhor de grandes raivas, que gosta de nos entreter. Conta-nos historietas sobre uma décimas de umas vígulas e umas luzes que brilham na escuridão que todos vêem. O circo a que pertence está falido, mas continua a dar espectáculos. É a dinâmica que resulta da inércia dos outros.
Na minha visita de hoje ao Norte do distrito de Leiria, vi, como em muitos outros sítios, um país mais ou menos em ponto morto, sem actividade, com negócios que são uma sombra do que eram, com muita coisa para vender e poucos para comprar. Até a afluência de emigrantes, que nesta altura do ano enche as aldeias com carros de matrícula estrangeira, faltou à chamada.
Se o circo dos que nos distraem todos os dias por lá passasse teria certamente visto o lado positivo das coisas. Esta tem sido uma região de grande energia humana e, por isso, um abrandamento da economia local permite aos residentes descansar um pouco e ganhar novo fôlego.
De facto, não há nada como uma palhaçada optimista. Só que os palhaços, nos nossos hábitos e tradições, são gente que nos faz rir.
A minha visita à Escola Marquês de Pombal, na cidade do mesmo nome, foi uma experiência muito positiva. Foi como passar umas horas a respirar oxigénio puro. Tudo muito bem organizado, uma escola a funcionar bem, alunos motivados e com os olhos abertos, a querer ver para além das pequenas fronteiras que nos rodeiam e a tentar perceber o mundo que os espera. Um corpo docente dedicado, entusiasta e aberto a ideias novas.
Os alunos do 9º ano haviam organizado, em ligação com o Conselho Directivo, uma sessão sobre a política internacional, os direitos humanos e a ONU. Fui convidado a fazer uma apresentação, com base na minha experiência pessoal. Seguiram-se várias perguntas, todas muito bem preparadas, que as raparigas e os rapazes tinham levado a coisa a sério. Até citações do meu blog fizeram. Não me pouparam e eu fiquei contente por isso. As perguntas sobre as questões internacionais tocaram o papel das mulheres no desenvolvimento, as crianças-soldados, os problemas da paz, o Irão, a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a cooperação entre os Estados, enfim, toda uma série de temas que não eram de modo algum triviais. Revelavam uma boa compreensão do que é importante.
O Presidente da Câmara de Pombal participou igualmente na sessão. Queria ouvir-me. Mas devo dizer que também falou e falou com alma.
Com jovens assim fica-se com mais esperança em relação ao futuro de Portugal.