Marine Le Pen esteve em Lisboa e arredores para apoiar o seu correligionário, o dirigente do Partido Chega. E deu uma entrevista, que é publicada na edição de hoje do Diário de Notícias.
Dois ou três breves comentários.
O apoio ao “primo” português não terá qualquer impacto sobre o eleitorado português. Vem apenas confirmar que o nosso compatriota tem uns amigos estrangeiros nada recomendáveis. Le Pen não tem credibilidade nos círculos europeus que contam. E está a perder pontos em França.
A extrema-direita europeia já conheceu melhores dias. O populismo que os sustentava está a ficar sem oxigénio, como um doente da Covid. Os seus ataques à União Europeia não ganham adeptos, sobretudo agora, quando esta se mostra mais coesa e inovadora.
O “primo” ainda anda na fase do bota-abaixo, algo que Marine Le Pen já percebeu que não traz votos.
Finalmente, se Marine estivesse no poder, o “primo” talvez precisasse de visto para entrar em França. É que a xenofobia de Le Pen inclui certos europeus, considerados de segunda...
As forças de polícia nos Estados Unidos têm uma base municipal. Não existe uma visão estratégica do policiamento. Tudo é de nível táctico, visto e tratado com base no caso a caso. A formação dos polícias tem como principal objectivo aprender a reprimir com toda a força possível. Violentamente, em resposta à violência que caracteriza a vida quotidiana de muitos. E é fortemente influenciada pelo racismo que existe em certos círculos da sociedade. Para um europeu, habituado às regras da democracia e de um Estado de direito, é difícil compreender a cultura de brutalidade que prevalece em muitas das forças de polícia dos Estados Unidos.
Não podemos cair no racismo primário que alguns querem fomentar contra os chineses. A comunidade chinesa desempenha, no nosso país, como em muitos outros, um papel económico muito útil. Para aqueles de nós que não têm um grande poder de compra, as lojas que os imigrantes chineses abriram um pouco por toda a parte vendem artigos a preços acessíveis. Nalguns casos, são verdadeiros supermercados de todo o tipo de utilidades. Os seus donos são pessoas que não levantam ondas, que procuram um mínimo de integração nas localidades onde estão estabelecidos. Vi isso em várias vilas alentejanas, para não falar apenas das grandes cidades. Assim, não há razão para os ataques que vão aparecendo nas redes sociais nem para a disseminação de apelos grosseiros de boicote a essa comunidade. Espero que os meus amigos contribuam para evitar esse vírus que é a xenofobia.
Uma parte importante da população alemã ficou abalada pelo que aconteceu em Hanau, uma pequena e pacata cidade situada perto de Frankfurt. O extremista de direita que matou nove imigrantes vindos da Turquia mostrou a face mais violenta do racismo e do neonazismo, duas ideologias que têm estado a crescer na Alemanha. E fez pensar que incidentes deste tipo poderão voltar a acontecer.
Os neonazis e os seus compadres ultranacionalistas representam agora cerca de 15% dos eleitores. A linguagem que utilizam, as iniciativas que tomam – a mais recente foi a de publicar um livro para as crianças colorirem que é todo um apanhado de desenhos anti-turcos e anti-muçulmanos – , a inspiração identitária que os anima, a da superioridade da nação alemã, tudo isso causa arrepios aos moderados, a começar por Angela Merkel, e aumenta de modo significativo o medo que as comunidades estrangeiras sentem.
A Alemanha é um país que funciona bem e com estilo. Mas o risco de desestabilização existe. Os líderes políticos democráticos têm aqui uma tarefa política prioritária.
Nunca assisti a um jogo de futebol que contasse para um qualquer campeonato. Num estádio, claro, que na televisão vi vários. Lembrei-me disso, hoje, e fiquei com a impressão que as minhas origens devem estar num outro planeta. Depois, recordei que há muitos anos, quando me perguntavam qual era o meu clube, respondia não ser adepto de nenhum. As pessoas ficavam, então, a olhar para mim. Não sei se era apenas surpresa ou também um misto de estranheza, como quem encara um bicho bizarro.
A verdade é que o mundo da bola é um universo à parte.
Apoio sem reservas a decisão que o futebolista Moussa Marega tomou. Não pode haver qualquer tipo de tibieza na resposta a comportamentos racistas. Também não podemos continuar a viver a fantasia de que por estas terras não há racismo. Também temos a nossa dose de atitudes racistas e xenofóbicas. Vários conhecidos meus, com raízes noutras partes do mundo, já passaram por maus momentos, no quotidiano da sua vivência entre nós.
A educação cívica é o melhor remédio contra o racismo. Infelizmente, essa é uma área onde há pouco investimento. Por isso, um abanão psicológico como o que ficámos a dever a Marega é muito útil.
A epidemia do coronavírus está a abalar a imagem da liderança chinesa na cena doméstica. Os cidadãos estão extremamente preocupados e não entendem qual é a estratégia de resposta dos líderes, para além de fechar as pessoas em casa e isolar Wuhan e outras localidades.
O anúncio do falecimento do Dr Li Wenliang, um jovem médico de 34 anos que havia sido repreendido pela polícia, por ter tido a coragem, antes de todos, de reconhecer publicamente que havia uma nova virose altamente contagiosa, veio criar uma nova onda de criticismo das autoridades. As redes sociais chinesas estão cheias de mensagens que reconhecem o heroísmo do Dr Li. Atacam, ao mesmo tempo, mais ou menos indirectamente, quem tem o poder. Algumas dessas mensagens são de um humanismo profundo e sabem revelar o sentimento colectivo das populações urbanas e melhor educadas. Um sentimento de frustração, nesta fase.
Fora da China, uma das preocupações deverá ser a de evitar a culpabilização das pessoas chinesas e combater as pontas de racismo contra os chineses que têm estado a surgir. Cada um de nós tem o dever de não cair nesses estereótipos. Infelizmente, o fenómeno tem estado a alastrar-se, bem mais rapidamente do que a própria epidemia.
Neste 75º aniversário da libertação do campo de extermínio de Auschwitz, seria imperdoável não mencionar a data e o seu significado. 27 de Janeiro marca o dia da memória das vítimas do Holocausto. Lembra-nos que este horror, o genocídio dos europeus judeus e a execução em massa de muitas outras pessoas, aconteceu na Europa do Século XX e foi levado a cabo por gente que se achava superior aos outros. O racismo, o ultra-nacionalismo e a exaltação patriótica sem limites, a obediência cega, alimentada pelo mito da excelência da disciplina colectiva, a ditadura política, tudo isto levou o regime nazi alemão à loucura e à chacina de milhões de seres humanos.
Para além de tudo o que se possa dizer sobre o Holocausto, e da tristeza profunda que nos fica quando é evocado, a grande questão que levanto é a de procurar saber se algo parecido poderá acontecer na Europa do Século XXI. Não há resposta definitiva perante uma pergunta deste género. Mas deverá haver alguma preocupação. Os herdeiros ideológicos dos Nazis estão a levantar a cabeça, quer na Alemanha, quer noutros países europeus. Por outro lado, jovens radicais islâmicos, cidadãos de vários países europeus, têm levado a cabo acções de intimidação anti-semitas. O caso francês é o mais flagrante. Em certas localidades da periferia de Paris, em certos bairros de grandes cidades, os cidadãos franceses identificáveis como “judeus” sentem-se cada vez menos tranquilos.
Tudo isto é inaceitável. E deve ser dito com todas as letras.
Acho bem que se procure debater as questões do racismo e da xenofobia. O debate de ideias faz parte das sociedades democráticas. Uns entrarão nele com muita paixão, outros de um modo mais frio, mas todos têm direito a dar a sua opinião, desde que essa não incite ao ódio e à violência física. E que evite a difamação pessoal.
E já agora, aproveitando a onda, por que não se discute a questão do civismo, da educação cidadã? Quando olha à minha volta, parece-me importante que tal aconteça. É um dos maiores défices da sociedade portuguesa. Muitos dos outros problemas, incluindo o relacionado com as diferentes manifestações de racismo, começam por criar raízes num terreno parco e falho de civismo.
O chefe do partido da extrema-direita “Verdadeiros Finlandeses”, Jussi Halla-aho, é eurodeputado, apesar de ter sido condenado em 2012 pelo crime de incitação ao ódio racial. O seu agrupamento obteve, nas eleições gerais de ontem, 17,5% dos votos, ficando a duas décimas do partido mais votado, o social-democrata. Foi, mais uma vez, uma prova que os radicais ultra-nacionalistas têm um peso crescente no panorama político europeu.
Halla-aho não se esconde por detrás de palavras diplomáticas e de frases ambíguas. Diz claramente ao que vem. É contra a imigração, contra os muçulmanos e contra a União Europeia. “Verdadeiros Finlandeses” exclui quem não é etnicamente lá da terra, incluindo os finlandeses de origem sueca. Sim, na Finlândia, há discriminação em relação aos cidadãos que têm raízes suecas. “Verdadeiros Finlandeses” representa a xenofobia e o racismo com todas as letras.
Votaram nele quem se sente socialmente mais frágil, bem como os que vivem com medo dos outros, dos que são diferentes. E como a paisagem política está muito fragmentada, havendo toda uma série de pequenos partidos, os 17,5% pesam muito. Mas, ao contrário do que se passou recentemente na vizinha Estónia, ou anteriormente na Áustria, o mais provável é que a nova coligação governamental exclua o partido extremista. Se assim for, do mal, o menos.