O Governo espanhol terá pago 8 milhões de euros ao grupo terrorista que afirma ser uma filial magrebina da Al-Qaida. Assim conseguiu obter a libertação de dois cidadãos espanhóis que se encontravam reféns, nas mãos dos criminosos. Já em Maio deste ano, a Itália havia pago ao mesmo grupo 3,6 milhões, também para obter o resgate de dois italianos. E a Áustria teria, em Abril de 2009, desembolsado 2,5 milhões, por motivos similares.
A França e o Reino Unido, apanhados em situações idênticas, resolveram não pactuar. Em ambos os casos, os raptados foram executados pelos terroristas.
A regra é que não se pague. Não se deve recompensar os actos terroristas. Nem deixar que o rapto se converta numa actividade rentável.
Ao chegarmos a Bangui, não havia visibilidade. As queimadas nos arredores da cidade enchiam o horizonte de fumo. Não deixavam fazer a aproximação ao aeroporto. Andámos cerca de vinte cinco minutos às voltas. A paisagem é linda, mesmo tendo em conta que a floresta equatorial já está muito desbastada.
Tínhamos que encontrar uma abertura. Era importante ter as reuniões que haviam sido programadas para o dia.
Os pilotos sabiam que esta era uma missão decidida à última hora, necessária devido à gravidade da situação junto da fronteira. Acabaram por conseguir pôr as rodas na pista.
Começámos com a representante de Guterres em Bangui. Uma senhora senegalesa muito decidida. Tinha estado em contacto com Genebra e preparado a nossa visita com o ministro centro-africano que se ocupa da matéria. Vamos mudar o campo de sítio, transpor os mais de três mil refugiados ainda mais para o interior do país? Não significa isso ceder à chantagem de um grupo armado influente? Enfim, uma discussão a sério sobre questões muito sérias.
Depois, foi a vez das ONGs que têm sido mais atacadas na região. Uma delas tem dois dos seus funcionários raptados há mais de um mês. Assuntos relacionados com sequestros são muito delicados. Mas concluímos que há esperança.
Fomos para o Ministério da Defesa. O ministro é filho do Presidente. Como de costume, recebeu-nos bem, mas com uma conversa muito vaga. Fora do assunto principal. Um longo discurso, sobre um tema que não estava em cima da mesa. Penso que queria reservar o diálogo para a discussão que iríamos ter, de seguida, com o seu pai.
A Presidência cheirava a férias de Natal. Não havia a azáfama habitual. Os conselheiros, gente de idade muito acima do respeitável, não andavam pelos corredores, como é habitual. Tivemos uma reunião muito pormenorizada. O Presidente Bozizé quis percorrer cada assunto com tempo. Uma digressão. O essencial é que as mensagens que tinha pensado transmitir-lhe foram dadas, repetidas, e sublinhadas. Houve tempo e ambiente para se ser claro.
Nestas coisas, cada um tem as suas responsabilidades. Cada um responde pelas suas. Fiz a minha parte.
Antes de voltarmos para o aeroporto ainda houve tempo para ver o técnico que se ocupa do programa de desmobilização dos combatentes irregulares. Rebeldes, diria o leitor. Um velho coronel francês, que já viu muitas. Veremos se consegue ver esta, que é bem complicada. Há homens armados por todos os cantos desta casa grande, fumarenta e de pouca visibilidade.
O voo de regresso a N'Djaména foi um martírio. O céu estava limpo, mas correntes de ar quente abanavam o nosso Learjet. Parecia que estávamos na turbulência da política portuguesa.
Claro que depois disso, só se pode estar cansado e com uma dor de cabeça.
Hoje tivemos mais uma emboscada contra uma coluna do Programa Alimentar Mundial e do UNHCR, o Alto Comissariado para os Refugiados. No sector centro. A zona mais perigosa. Homens como este, que a MINURCAT está a treinar, defenderam a coluna com valor e coragem.
Entretanto, um grupelho obscuro, que até pode não existir, e ser apenas a voz de um funcionário de uma das muitas agências de segurança do estado sudanês, fez ameaças públicas contra os humanitários que ainda se encontram em parte incerta, como reféns. Foi um discurso contra a França.
Este tipo de manifestações, através dos media, é muitas vezes feito por gente que nada tem que ver com o caso, mas que tenta aproveitar a onda. Em certos casos, a autoria pertence a um qualquer serviço secreto, que se aproveita da situação para mandar um par de mensagens políticas.
Quando há raptos em zonas de conflito, aparecem sempre muitos pescadores de águas turvas.
Mas, nunca se sabe. Tudo tem que ser visto com muito cuidado.
A investigação sobre os raptos de Birao já levou à detenção de cinco suspeitos e a uma melhor compreensão de qual possa ser o grupo armado com responsabilidades na matéria.
Em questões de polícia e de justiça, é preciso andar a bom ritmo.
Também foi possível dar exemplos de liderança. Liderar é tomar a iniciativa, seguir uma linha de actuação coerente, não ter medo de assumir riscos, surpreender e determinar a agenda.
Despachei para Bangui o meu director de gabinete e o o conselheiro político sénior. No seguimento das minhas conversas telefónicas de ontem com o Primeiro-Ministro Toadera, os enviados especiais reuniram-se, esta tarde, com o PM e uma equipa de crise. Estiveram também com a embaixador francês e com as ONGs que operam em Birao. Lancei, entretanto, um apelo para que os reféns sejam libertos sem demoras. São jovens de bem, dedicados e com reconhecido trabalho social de apoio às comunidades de Birao.
Entretanto, a notícia dos raptos foi título grande nos meios de comunicação social franceses. O facto de os raptores procurarem vítimas dessa nacionalidade foi o tema central.
Enquanto tratava deste assunto, a tripulação do helicóptero que havia sido enviado para Birao, como apoio à procura dos criminosos, teve ontem uma noite muito dramática. Um dos pilotos faleceu, três outros estão em estado grave. Em coma. Beberam um líquido adquirido sabe-se lá onde, mas que tinha um rótulo de uma bebida espirituosa normal.
Foi o segundo incidente do género em duas semanas. Com pessoas da mesma nacionalidade. Embora estivesse em Vevey, por outros motivos profissionais, passei uma parte da manhã a falar com Moscovo. Mais tarde, com Nova Iorque e com a minha área de operações. A pedir que as autoridades do país dos pilotos sensibilizem as suas gentes, para que estes casos tão trágicos não voltem a acontecer.