O Presidente Erdogan está desalinhado com o resto da NATO desde Julho de 2016. Nessa altura, inventou que uma boa parte da liderança das Forças Armadas turcas estava ligada ao opositor Fethullah Gulen. Oficiais generais e superiores foram presos e condenados a penas descomunais. Conheci vários desses oficiais e sei que eram excelentes profissionais. A geração escolhida por Erdogan para os substituir não tem o mesmo valor. São apenas servis fiéis do presidente.
Alguns comentadores têm emitido reservas quanto à decisão finlandesa de adesão à NATO. E irão certamente continuar na mesma linha, quando a decisão sueca for oficialmente anunciada.
Parece-me despropositado emitir esse tipo de críticas. Os dirigentes políticos da Finlândia – e a população – têm a maturidade e a experiência necessárias para decidir se é ou não no interesse nacional avançar agora com o processo de adesão. Mais ainda, sabem comparar a Rússia de Vladimir Putin com a União Soviética dos outros tempos. E acham que a ditadura de um só homem é bem mais perigosa do que a maneira mais colegial de decidir – o Politburo – da era soviética.
Iniciado o processo, caberá então aos actuais 30 países membros da NATO avaliar o pedido de adesão. Todos terão de o aprovar. Ou seja, o filtro seguinte é igualmente muito exigente. Do ponto de vista da ordem democrática e da qualidade e eficiência das forças armadas finlandesas e suecas não haverá qualquer obstáculo. Ambos os países reúnem os critérios exigidos pela NATO. Têm, aliás, uma história de cooperação com a NATO.
A Turquia poderá levantar formalmente, ou de modo mais reservado, algumas objecções, como já deu a entender. São, no entanto, reservas oportunistas, para obter vantagens nacionais. Não têm nada de estratégico.
A posição russa é conhecida. O que não é claro é o tipo de retaliações que virá a adoptar. Neste momento, é difícil prever. Estamos em plena crise por causa da agressão contra a Ucrânia. E por muito que se diga, a Rússia de amanhã será um país muito influenciado pelo desfecho da crise ucraniana.
Este é o link que permite ler a minha crónica de hoje, no Diário de Notícias.
Quando o texto já estava nas rotativas surgiu a notícia que o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, se tinha oferecido como mediador entre Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky. Esta iniciativa visa sobretudo mostrar ao eleitorado turco que Erdogan pode desempenhar um papel internacional de relevo. A verdade é que a sua popularidade política está muito em baixo. Arrisca-se a perder as eleições gerais que deverão ter lugar dentro de um ano.
Mas que é preciso proceder a uma mediação entre a Rússia e a Ucrânia não há dúvidas. Neste momento, o fórum mais apropriado é o conhecido como o processo de Normandia. Faço referência a esse processo, que engloba além dos dois países vizinhos, a Alemanha e a França, no meu texto.
Desde o início do ano, a libra turca perdeu 52% do seu valor em relação ao dólar americano e 48% quanto ao euro. A economia está em crise profunda. O custo de vida tornou-se insuportável, com uma inflação superior a 30%, segundo os dados oficiais, que não são credíveis. O valor estimado da inflação anda perto dos 60%.
Tudo isto devido às intervenções contínuas do Presidente Erdogan na gestão monetária e financeira. O colapso económico é evidente.
Hoje, o presidente anunciou um aumento do salário mínimo de $182 para $275 (ao câmbio de agora), a partir de Janeiro. Mas como a libra continua a perder valor, esse aumento será rapidamente anulado pela depreciação da moeda.
Qual vai ser o impacto de tudo isto sobre o regime de Erdogan? Essa é a questão que os analistas agora levantam.
A democracia é um conceito muito elástico. Nenhum ditador reconhece que o seu regime é antidemocrático. Antes pelo contrário. Todos defendem o seu poder dizendo que foram democraticamente eleitos. Assim o afirmam Vladimir Putin, Nicolás Maduro, Bashar al-Assad e muitos outros. Também Robert Mugabe, no seu tempo, dizia que as eleições, que roubava descaradamente, eram perfeitamente legítimas e democráticas. Penso que o único que não tem preocupações desse tipo é Kim Jong-un, o líder bizarro da Coreia do Norte.
Assim, o presidente Joe Biden está a meter-se numa encrenca quando resolve convocar uma cimeira internacional sobre a democracia. A lista dos excluídos dessa reunião vai dar mais que falar do que os temas escolhidos para debate. Para já ficaram de fora Viktor Orban e Recep Tayyip Erdogan.
Charles Michel, o Presidente do Conselho Europeu, voltou a insistir, agora no Parlamento Europeu, que o incidente do sofá, uma esparrela preparada por Recep Erdogan, para humilhar Ursula von der Leyen e criar uma brecha entre os dois dirigentes europeus, fora acima de tudo um erro diplomático. Está enganado, não foi uma falha da diplomacia. Mostra, isso sim, não ter percebido nem a artimanha de Erdogan nem a importância política da secundarização de Von der Leyen. Está, por outro lado, a prolongar uma crise de liderança muito séria que se vive agora em Bruxelas e que foi inicialmente planeada pelo presidente turco.
Não é apenas o facto de Erdogan ter pouca consideração pelas mulheres enquanto líderes políticos ou mesmo, pelas questões da igualdade. Isso também conta. Mas não nos podemos esquecer que ele tem o poder que tem e chegou onde chegou porque é matreiro. Sabe como agir para criar tensões no seio dos seus adversários. Dividir para reinar. Sabe também aproveitar rivalidades latentes que possam existir do outro lado da mesa e como contribuir para o seu agravamento.
Charles Michel precisa que um conselheiro lhe diga que é fundamental corrigir o erro. E a correção desse erro começa pelo reconhecimento das causas e razões que levaram à situação delicada em que foi colocado.
Deve também ser ajudado a compreender que quando se trata com gente como Erdogan – ditadores com sucesso na vida, manipuladores de alto gabarito – todo o cuidado é pouco.
Sergey Lavrov humilhou publicamente Josep Borrell, o Alto Representante da União Europeia para a Política Externa, quando este foi a Moscovo para abrir vias para um melhor relacionamento entre a Rússia e a Europa. Agora foi a vez de Recep Erdogan, o ditador da Turquia, de humilhar e envergonhar os dois dirigentes máximos da UE, Charles Michel e Ursula von der Leyen. Estavam em Ancara com uma agenda positiva e de abertura à Turquia. Erdogan humilhou a Presidente da Comissão Europeia, ao não lhe dar o tratamento político e protocolar a que tem direito, e criou um enorme problema de imagem para Charles Michel, que mostrou ser ingénuo, incapaz de tratar um ditador com o rigor que é exigido.
As visitas a Moscovo e agora a Ancara foram dois fiascos. Da ida à Turquia não se falou de outra coisa, na imprensa europeia, que da ratoeira armada por Erdogan. O resto, a substância das negociações, deixou de ter importância, ninguém é capaz de sequer dizer o que estava na agenda.
Os caudilhos que estão no poder em Moscovo e em Ancara são para levar a sério. Não se pode ir de ânimo leve e com ilusões, quando se trata de negociar com eles. Uma das características dos ditadores é a sua capacidade de manipular as situações e de esmagar, mesmo que simbolicamente, os adversários. Por saberem fazer isso bem, conseguem manter-se no poder anos a fio.
O texto que publico esta semana no Diário de Notícias, na edição deste sábado, analisa o conflito marítimo entre a Grécia e a Turquia, com uma referência especial ao regime do Presidente Erdogan. A Turquia de Erdogan representa um grande desafio para a Europa. Esta tem que falar claro e por Erdogan no seu lugar. Não deve haver espaço para ambiguidades. Os riscos são enormes. Erdogan pode criar problemas existenciais à União Europeia. Já conseguiu paralisar a NATO. Mas o seu grande objectivo é o se mostrar forte e determinante em relação à Europa. Precisa disso para poder continuar a apostar nos projectos megalómanos que tem em curso no seu país. Como também precisa de aparecer perante o eleitor turco mais simples como um nacionalista e um restaurador da grandeza turca.
Na agenda europeia, as múltiplas dimensões da epidemia não deixam espaço para outros assuntos. Por isso, a visita que o Presidente turco fez ontem a Bruxelas foi vista como uma nota de pé-de-página. Não acrescentou nada às questões que Recep Tayyip Erdogan trazia na agenda. Ninguém parece estar disponível para algo que não tenha que ver com o vírus.