O Magazine Europa, da Rádio Macau, aborda esta semana os resultados eleitorais na Itália, a social-democracia alemã e na Europa, as declarações de Vladimir Putin, mais a guerra comercial de Donald Trump, a cibersegurança e também um tema muito actual, o frio.
Para ouvir o programa e os meus comentários, o sítio é este:
Os mercados bolsistas europeus parecem não ter ligado ao resultado do referendo italiano. O índice Euro Stoxx 50, que é indicativo do que se passa nas principais praças europeias, subiu 1,25%. O principal índice francês, o CAC 40, aumentou 1,00%. E assim sucessivamente. Apenas o FTSE MIB, que reflecte a bolsa italiana, teve uma quebra insignificante de 0,21%. O euro também aumentou de valor: mais 0,88% em relação ao dólar dos EUA.
A explicação é simples: quem anda pelas bolsas sabia – há meses – que Matteo Renzi não tinha hipóteses de ganhar esta consulta popular. Por isso, as acções italianas foram-se desvalorizando ao longo dos meses. Perderam 20% do seu valor desde o início do ano. Quanto aos bancos, onde as fragilidades são maiores, a perda média do valor das acções bancárias anda nos 48%, em relação a Janeiro de 2016.
Muitas das acções dos bancos estão na posse dos particulares, dos cidadãos que acreditaram na conversa ouvida aos balcões das agências e que foram convencidos a comprar esses títulos. Mais ainda. Existem mais de 170 mil milhões de euros, a título de obrigações bancárias, nas mãos das famílias. Também aí haverá que prever perdas de valor muito significativas.
Em resumo, como foi dito hoje por alguém importante à entrada de uma reunião em Bruxelas, não há receios. Os italianos saberão como resolver estes problemas.
Ficarão, acrescento eu, mais pobres e muito mais fartos das elites políticas e financeiras. O referendo já mostrou essa tendência. E a trajectória parece levar a Beppe Grillo e à chegada ao poder do Movimento 5 Estrelas. Ou seja, a elite da desgraça será substituída pela malta da confusão.
Seria um exagero dizer que o Verão de 2015 pôs a política europeia de pantanas. Mas pode-se afirmar que deu um bom safanão a algumas das convicções ideológicas que sustentam o edifício dos mitos comuns. Entramos em setembro com mais dúvidas e o sentimento que os alicerces da estabilidade e da prosperidade europeias estão agora seriamente fragilizados. Ao Verão das crises poderá seguir-se o Outono das incertezas, das hesitações, dos azedumes entre líderes e do fechar de muitos nas suas conchas nacionais.
Primeiro foi o nó górdio grego. Para além do faz-de-conta, das palavras ocas de apaziguamento e dos acordos arrancados a ferros, sabe-se o impacto que teve na unidade e na solidariedade europeias, bem como nos preconceitos de uns em relação a outros. A Grécia desferiu um golpe profundo no projeto comum e sofreu, por sua vez, o preço que a Europa que manda faz pagar a quem não trata de si. Neste tipo de crises, perdem todos, e à grande. E não quero falar nos abalos nos partidos de extrema-esquerda, que passaram a estação quente a engolir sapos vivos, e a frio. Deixemos a Grécia de lado. Uma crise maior e mais generalizada tomou entretanto a dianteira e ganhou proporções inimagináveis. Refiro-me à explosão migratória, aos corredores da desgraça humana que rasgam o Mediterrâneo e combinam esperança e desespero, tráfico e violências, naufrágios e imagens de crianças a caminhar ao longo das vias férreas, em direção a um futuro povoado de ilusões.
Os nossos governos nunca pensaram que isto pudesse acontecer dentro das nossas fronteiras, nem estavam preparados para responder a movimentos de massas desta amplitude. As velhas ideias, velhas por serem as que vigoravam antes do Verão, sobre os candidatos ao asilo e à imigração pareciam claras. Baseavam-se na crença que os refugiados ficariam em campos de tendas de lona bem longe da nossa porta. O papel que nos estaria reservado, enquanto países ricos, seria o de fazer contribuições voluntárias para o ACNUR e esperar que a agência se ocupasse dessas gentes. Quanto aos imigrantes, a política era linear: a polícia identificava-os nas praças públicas, com base na cor da tez; se se encontrassem numa situação ilegal, pegava-se neles e procedia-se ao seu recambiamento para os países de origem.
A verdade é que ainda há quem assim pense. Por isso, os Estados e Comissão Europeia continuam a aprovar verbas descomunais destinadas à deportação de indocumentados. Todavia, depois do que tem estado a acontecer, essa maneira de proceder deixou de ser viável. Por muito que doa aos reacionários de toda a estirpe, a resposta securitária está a ser levada pela torrente. A realidade da imigração é demasiado grande para as políticas do cacete. Curiosamente, Merkel e Renzi, sobretudo estes, parecem começar a entender o novo contexto.
Estão, contudo, a pregar para quem não os quer ouvir. Na UE, o que conta é empurrar os problemas para a casa do vizinho. Impera o nacionalismo miudinho. Bruxelas perdeu a voz e anda a fingir-se ocupada com outras coisas. E o ACNUR fechou-se em copas. É um misto de silêncio, para não irritar um grupo de doadores poderosos, e de prudência tática, para não prejudicar outras ambições. É, acima de tudo, uma visão contrária à que sempre tive sobre o papel da ONU: ter coragem e lembrar a cada Estado, grande ou pequeno, quais são as suas obrigações perante as crises internacionais
Andam por aí, neste belo país que é o nosso, uns fulanos matreiros que nos dizem que com a nova Comissão Europeia e com Matteo Renzi, o primeiro-ministro italiano, ao ataque, a regra dos 3% de défice anual das contas públicas vai ser encarada com flexibilidade. E que, por isso, os governos, a começar pelo francês e acabar no que irá sair das eleições portuguesas de 2015, vão poder “investir”.
As indicações que tenho não são bem assim. Haverá flexibilidade sim, verdade, mas apenas se os governos em causa conseguirem provar a Bruxelas que as reformas da administração e dos gastos públicos estão em curso. Nos outros casos, não haverá. Aplicar-se-á o princípio da infração às regras fiscais.
Jyrki Katainen, o ex-primeiro-ministro da Finlândia e futuro vice-presidente da Comissão, vai ser o vigilante de serviço. É um puritano, em todos os sentidos, mesmo em matérias orçamentais. Pierre Moscovici, o Comissário francês para a economia e as finanças, um político que tem vivido à sombra de Hollande, estará subordinado a Katainen. Pouco poderá fazer senão seguir a ortodoxia.
A nova equipa da Comissão pensa que Renzi e Hollande, por detrás do palavreado sobre a flexibilidade, são políticos que não querem fazer as reformas de fundo que se impõem nos seus respectivos países. Em ambos os casos, o medo de perder a clientela partidária que os apoia fala mais alto do que a reforma das instituições e a baixa dos impostos, que há muito deveriam ter sido feitas.
Em Portugal, os resultados das eleições europeias revelaram que é impossível, para já, fazer projecções prudentes sobre o que poderá acontecer dentro de um ano, quando as legislativas tiverem lugar.
A aliança que está no governo resistiu melhor do que se esperava. Digo isto tendo como elemento de comparação o que se passou em França. Seria acertado pensar que, depois de três anos de austeridade a sério, a coligação PSD-CDS acabaria por ter uma votação muito inferior à que teve.
Do lado do PS, o valor obtido é magro. Cabe à direcção do partido e aos militantes reflectir sobre as razões. Mas a continuar assim, o PS não terá, em 2015, as condições mínimas para levar a cabo a sua política governativa. Estará, se nada mudar, apenas em condições de liderar uma coligação coxa. Digo coxa porque em Portugal não há uma cultura política que seja favorável a alianças entre o centro-esquerda e o centro-direita.
A CDU fez uma campanha clara e ganhou com isso. Mas não é partido de governo.
O resto é paisagem, com ou sem votos, incluindo o “deputado acidental” que é Marinho Pinto.
Fora do nosso espaço, a extrema-direita ganhou peso no Parlamento Europeu. Em França, deixou os socialistas e a direita de Sarkozy em estado de choque. Na Grã-Bretanha, deu-se mais um passo, bem firme, para um confronto aberto entre esse país e a UE. E na pequena Dinamarca, que já foi um exemplo de tolerância e um modelo de cooperação internacional, os ultranacionalistas ficaram em primeiro lugar.
É importante sublinhar a vitória eleitoral do Partido Democrático do centro-esquerda na Itália. Matteo Renzi, o líder do partido e Primeiro-ministro de Itália, afirmou-se como um jovem que sabe fazer política nos tempos modernos.
Agora é preciso ver quem vai ser o Presidente da Comissão Europeia. Jean-Claude Juncker, o candidato que está à frente, não acredita que o deixem passar. Cameron ir-se-á aliar com Viktor Orban da Hungria, um homem ultranacionalista e habilidoso, para impedir que Juncker seja nomeado Presidente. Pensa Cameron que com esse golpe poderá ganhar alguns pontos junto do eleitorado inglês que votou contra a UE. O Primeiro-ministro britânico é uma das principais ameaças ao projecto comum.
Enfim, vai haver nos próximos tempos muita matéria para debater.