Ontem, na CNN, repeti que a apreciação pelo reinado e pela pessoa que foi Isabel II não faz de nós menos republicanos. Aliás, nem isso está em causa. Não se trata de defender ou atacar o regime monárquico que um outro país tenha em vigor. A questão monárquica não existe em Portugal. Não vale a pena falar e argumentar sobre um tema que não faz parte do debate político nacional. Nem entrar em explicações sobre princípios que uma monarquia não respeitaria, como o da igualdade ou do mérito. Até porque essas dimensões da igualdade e do mérito são certamente mais evidentes em países como o Reino Unido, a Bélgica ou a Dinamarca do que neste nosso canto da Europa, onde, aqui entre nós, a maior parte dos que hoje detêm algum tipo de poder são descendentes de pais e avós que já eram diplomados universitários numa altura em que quase ninguém o era. Bem vistas as coisas, o mérito e a progressão social são mais fáceis nas terras da defunta Rainha do que por aqui. Não se tem falado ou escrito muito sobre a perpetuação das nossas classes sociais, mas ela existe. É aí que deveria estar centrado o debate, e não sobre a forma monárquica de poder que não interessa a ninguém, com excepção de meia dúzia de excêntricos.
Nesta data em que o Reino Unido comemora os setenta anos de reinado de Isabel II, lembrei a um amigo português que não nos cabe julgar a questão monárquica de um país que não é o nosso. São os britânicos que têm uma palavra a dizer sobre o assunto. E a verdade é que a grande maioria tem a Rainha em grande apreço. Sendo assim, Isabel II tem toda a legitimidade democrática, mesmo sem ter sido eleita, para exercer as funções de Chefe de Estado.
A monarquia no Reino Unido é um elemento definidor da identidade nacional. Enquanto estrangeiros, não podemos de modo algum criticar essa opção do povo britânico. E ao dizer isso, não ficamos menos republicanos.
O Presidente da República visitou ontem o problemático Bairro da Jamaica, no Seixal. Foi uma visita inapropriada e errada.
O Presidente tem o direito de visitar o que entende. Mas, enquanto Chefe de Estado, todas as visitas têm uma leitura política. E mais ainda esta, que pareceu dirigida contra o Governo, em particular contra as declarações do Primeiro-Ministro na Assembleia da República sobre os incidentes que ocorreram nesse bairro, e contra a ordem pública, representada pela PSP.
O Presidente tem que saber encontrar um equilíbrio entre a proximidade com os cidadãos e o respeito pelos pilares institucionais da República. Não pode, de modo algum, alinhar-se de um lado sem ouvir, de preferência em simultâneo, o outro. Tem que ouvir com as duas orelhas e manter o cérebro no meio.
É verdade que, entretanto, teve o apoio verbal de um radical da extrema-esquerda. Mas isso é pouco. Pode mesmo ser visto como um certo tipo de infantilismo a apoiar um outro tipo de infantilismo. Tudo sem sentido de Estado.
Será certamente lembrado quando a próxima campanha eleitoral para as presidenciais tiver lugar.
O episódio da bandeira de pernas para o ar, no dia da República, mostra a maneira negligente como muitos encaram as suas obrigações. Foi mais um erro, também, num dia cheio deles.
Dizer "insustentável", num discurso que levou muitos dias a preparar, é assumir uma grande responsabilidade. Só aceito que a palavra tenha sido dita, numa ocasião tão solene e importante como é o Dia de Portugal, se o seu autor estiver sinceramente convencido da gravidade da situação.
Creio que é o caso do Presidente da República. Cavaco Silva, na minha opinião, está muito preocupado. Não disse o que disse por razões eleitorais, como alguns bacocos concluíram em cima do joelho, ou para tornar a vida mais difícil seja a que político for. É uma visão genuína, acrescento, dos tempos que o nosso país atravessa.
Como conhece bem o que se passa, e como é um homem sério, com sentido nacional -- assim o penso, independentemente das suas opções políticas e de estar ou não de acordo com o quadro de valores em que acredita --, não podemos ignorar a sua opinião.
Um dia de Outono, em Lisboa, nestes 99 aniversários da República.
O cinzento do comentário maldoso foi da autoria do Chefe Primeiro, que espetou uma farpa azeda no homem de Belém, ao dizer que a tradição exige que se vá aos Paços do Concelho, quando se comemora a implantação.
Os políticos grandes têm grandeza de espírito. Os boxistas da política, por seu lado, tentam aproveitar todas as oportunidades para dar uns murros. O povo, por sua vez, confunde murros com agilidade e argúcia. Gosta do espectáculo da porrada. Apoia.
Estamos no mau tempo de uma maralhada pequenina. Ou, como diria o outro, há tempestade no Mar da Palha.