Imaginemos que um programa de Inteligência Artificial norte-americano chegava à conclusão de que o cerco chinês de Taiwan era um primeiro passo para uma invasão da ilha. E depois? Que poderia acontecer como resultado dessa análise feita por computador, com base em milhões de variáveis?
Vamos continuar confinados mais um mês e tal. Ou seja, quando houver algum pequeno alívio, o primeiro trimestre do ano estará a terminar. Entretanto, já nos estão a avisar que o programa de vacinação irá demorar, sofrer atrasos. Dizem-nos que talvez só lá para finais do ano estaremos vacinados em número suficiente. O problema é que haverá, muito provavelmente, que iniciar então uma nova ronda de vacinação. Uma boa parte da população dos países de baixos rendimentos não deverá estar protegida. Aí poderão surgir novas variantes do coronavírus. Se assim acontecer, a dita luz no fundo do túnel será apenas uma miragem. Estaremos nisto por uns largos tempos, dir-se-ia. É bom ser optimista, verdade. Mas ter ilusões não é prova de optimismo.
Por mim, aprendi que os povos têm como grandes aspirações, acima de tudo, a liberdade, a dignidade e a segurança.
A liberdade permite voos ao sabor da vida e das ambições de cada um.
A dignidade significa o respeito pelos direitos individuais, incluindo a aceitação das diferenças.
A segurança começa pela igualdade de oportunidades, pela protecção perante os riscos, sejam eles de natureza económica, sanitária ou o resultado da violência de outros, bem como pela prática da justiça.
O meu post de ontem sobre a Europa da defesa foi lido como um ataque directo a alguns comentadores habituais da nossa praça. Não pode ser. Deveria ser visto, isso sim, como uma crítica sobre a maneira como a questão tem estado a ser analisada.
Ataques pessoais não fazem parte do meu estilo nem cabem nestas páginas.
E não diz respeito apenas ao que se escreve e diz em Portugal. Infelizmente, a questão da defesa europeia é muito mal tratada em vários jornais e televisões dos Estados membros. O tema dos 2% do PIB é, na maioria dos casos, o aspecto central por onde esses comentadores pegam no assunto. Ora, mesmo isso, tem muito que se lhe diga. Pode-se gastar 2% do PIB nacional em rubricas erradas ou secundárias para a defesa do país. Veja-se o que se passa na Grécia, onde uma boa parte do dinheiro gasto com as forças armadas se destina ao financiamento de pensões de reforma ou para comprar tanques que servirão para combater uma guerra do estilo do século XX.
Continuo a interrogar-me sobre as razões que levaram o governo alemão a aconselhar que cada agregado doméstico fizesse uma reserva de comida e de bebidas. A recomendação menciona um período de pelo menos dez dias de mantimentos. E há mesmo uma lista indicativa dos produtos de base que seria importante incluir nessa despensa de emergência.
A decisão é acompanhada de uma pequena nota sobre os riscos que poderão levar à interrupção da vida normal. E de uma explicação sobre as medidas de precaução que o próprio governo irá tomar: aumento das reservas estratégicas de combustível, de antibióticos, de comprimidos de iodo de potássio, bem como a criação de novas zonas de descontaminação e outras urgências em certos hospitais.
Na realidade, fica-se com a impressão que existem ameaças muito sérias, que poderão pôr em causa a vida colectiva de todos os dias.
Dirigi esta semana, pela terceira vez desde o início do ano de 2016, um seminário de pós-graduação na Suíça sobre as questões da paz e da segurança internacional. Estes seminários fazem parte das actividades académicas do conhecido e respeitado Geneva Centre for Security Policy (GCSP).
Como de costume, os participantes vieram de diferentes partes do mundo. É uma grande vantagem. Permite obter uma visão mais diversificada dos temas em análise bem como das relações de poder no xadrez mundial. Mais ainda, a classe desta semana tinha uma percentagem maior de participantes com vários anos de experiência em ambientes de trabalho diplomático, policial, militar, em instituições de segurança nacional – um dos alunos desempenha funções de alta responsabilidade no Conselho Nacional de Segurança da Índia – e também em centros de estudos especializados.
As discussões que mantive com a classe revelaram várias coisas. Sublinho aqui duas delas. Primeiro, existe um enorme cepticismo em relação à capacidade da máquina onusiana na área da manutenção da paz. Os mais esclarecidos não acreditam que a ONU tenha actualmente as condições necessárias para obter resultados e conseguir ajudar a construir um paz duradoura, excepto nalguns casos de conflitos em países de importância reduzida e na periferia dos interesses das grandes potências. Segundo, ficou claro que existe uma percepção muito forte de volatilidade e de risco. Quem olha para o horizonte da política internacional com olhos de ver apercebe-se de toda uma série de riscos que podem pôr em causa a paz e a estabilidade em partes importantes do globo, incluindo na nossa. Notará igualmente que as ameaças podem mesmo pôr em causa a sobrevivência de certos arranjos institucionais que fazem parte há décadas da arquitectura securitária internacional.
Ou seja, temos aqui a opinião de que existe hoje um somatório de novos riscos que não podem ser ignorados nem tratados pelo prisma do politicamente correcto.