Quando os oportunistas controlam a batuta, a sabedoria antiga recomenda que se siga o exemplo que Santo António nos deixou, ou seja, que não se desista de fazer pregações aos peixes. Ficar calado seria fazer o jogo desses finórios.
Neste final de dia, o que se pede a quem tem peso na opinião pública é que mantenha a calma. As autoridades italianas tomaram as medidas que se impunham. E o tratamento da epidemia é eficaz. A taxa de mortalidade é baixa, embora seja cerca de dez vezes superior à da gripe comum nesta altura do ano. O grande problema reside na facilidade do contágio. O outro diz respeito ao alvoroço social que a epidemia provoca. Essa é uma questão muito importante. Por isso, falar de fecho de fronteiras no espaço Schengen é uma posição alarmista. Deve ser evitada.
Existe igualmente uma grande preocupação com o impacto económico deste surto. As bolsas mundiais reflectiram essa inquietação. Os principais índices perderam 4% ou mais. E as perdas irão continuar, se surgirem novos focos da epidemia. Isto mostra o grau de interdependência que existe entre as grandes economias mundiais.
O Partido Socialista voltou a afirmar, hoje, que o acordo de estabilização financeira assinado, no ano passado, com a "troika" é para cumprir.
Pareceu-me prudente que o tivesse feito.
É verdade que precisamos de políticas económicas que promovam o crescimento e o emprego. Que precisamos de atrair mais investimento estrangeiro. Mas é igualmente verdade que sem os empréstimos actuais, no quadro do programa da "troika", as finanças públicas entrariam em bancarrota. E tudo iria por água abaixo.
Curiosamente, o meu texto desta semana, na revista Visão, debruça-se sobre uma "esquerda" que ainda não percebeu que a Europa do passado não tem futuro. O objectivo não deve ser o de voltar atrás. O mundo mudou, meus senhores e minhas senhoras. O objectivo da Esquerda deve ser o de preparar o futuro, tendo em conta a globalização dos mercados e a nova relação de forças que se estabeleceu na arena internacional.
No texto de ontem, deveria ter acrescentado que uma das faces da sabedoria é a de um homem velho, prudente e com experiência, e a outra, a de uma mulher jovem, cheia de esperança e de vontade de criar um mundo novo. Ficava um escrito mais completo.
Ambos teria perguntado, se há uma greve geral marcada para 24 de Novembro, por que razão houve greves parcelares, sectoriais, esta semana, aqui e acolá?
O Banco Central Europeu apareceu ontem no mercado, como já o havia feito anteriormente, a comprar freneticamente obrigações do tesouro português. Ou seja, a tentar segurar a posição de Portugal nos mercados financeiros. Trata-se de uma intervenção de curto prazo. Alivia-se o problema durante uns dias, poucos, na esperança de que uma solução mais profunda possa, entretanto, surgir.
Tenho muitas dúvidas sobre esta maneira de fazer do BCE. Já o disse e repito. Como também duvido que este tipo de intervenção esteja dentro do mandato do BCE.
Entretanto, ao ouvir o que se diz em Portugal sobre os mercados financeiros e ao ler o que se escreve, só posso chegar à conclusão que há muita política em torno do problema, daquela política que tenta vender gato por lebre, e pouca análise. Não é boa ideia pensar que a propaganda, o slogan, a politiquice permitem compreender o que se passa. Também não é bom tomar decisões com base no slogan.
A verdade é muito simples, embora isso custe aos nossos propagandistas. A economia portuguesa precisa de capital para poder continuar a funcionar a um nível que seja aceitável, com custos sociais mínimos. Não existindo capacidade interna de financiamento, resta a solução de ir aos mercados de capitais e tentar atrair as poupanças de outros, fora de portas. Simplesmente, quem empresta quer garantias. A mais importante, e se calhar, neste momento, a mais difícil de obter, é a de que existe um governo competente e politicamente sólido. Quando essa competência possa estar em dúvida e a solidez do governo, que é medida em termos do apoio do eleitorado, pareça precária, quem tem dinheiro para emprestar não o empresta. Ou então, quer taxas de juro mais elevadas, para compensar o eventual risco de não pagamento.
José Saramago deixou-nos hoje. Sentimo-nos mais pobres. Foi um português que não teve medo de abrir novas frentes, ao desafiar constantemente a nossa maneira tradicional de pensar. Com ele, com as suas frases intermináveis e as suas alegorias, muitos de nós aprenderam a pensar sem barreiras. A deixar voar o olhar crítico sobre nós próprios. A saber que todas as interrogações são legítimas.
Gente assim cabe dificilmente no Portugal que temos. Por isso, foi viver para a porta ao lado. É melhor para os nervos. E envia um sinal que poucos entendem, mas que deveria voltar à baila, neste momento da sua viagem definitiva para o espaço das memórias. A mensagem que continuamos a fechar os nossos horizontes, a viver agarrados à sotaina das ideias de outrora, num círculo de vistas estreitas, que acaba por excluir as mentes livres e criadoras.
Se o leitor tivesse que escolher um tema, entre os três que se seguem, qual seria a escolha? Qual é, neste momento, o mais actual e de maior urgência?
É verdade que os temas não têm muito que ver com a crise económica e financeira, que domina todas as atenções. Mas estão muito relacionadas com grandes problemáticas sociais, os direitos humanos, a justiça social, a aceitação do Outro, o respeito pela diferença, quer na Europa, quer nas relações entre o nosso espaço e o resto do mundo. São, além disso, muito prementes, em vários cantos da Terra.
Os temas são:
1. Liberdades, responsabilidades, direitos e ética.
2. Liberdade de expressão, de consciência e de religião.
3. O princípio da igualdade entre os homens e as mulheres.
Hoje e amanhã estou de férias, agora já em terras europeias. No começo da semana que entra, tenho que terminar o relatório de fim de missão, despachá-lo para Nova Iorque e acertar as datas de uma pequena estada de despedida na Sede. Nova Iorque, Nova Iorque. Assim se fecha o capítulo principal da minha vida profissional, várias décadas de trabalho com a ONU, nas áreas do desenvolvimento, da ajuda humanitária, da política e, nos últimos anos, da segurança e da paz. A partir de agora, poderão surgir algumas ocasiões de colaboração pontual, mas nada de permanente e de longo prazo. Já chega. Há que deixar espaço para que outros o possam fazer.
Assim é a vida. Só posso dizer que tive sorte. Foi uma experiência muito variada. Com muita substância. A dar-me uma visão mais ampla do estar no mundo.
Entretanto, entre outros projectos, vou começar a minha colaboração com o Conselho da Europa. A tempo parcial. Farei parte de um pequeno grupo de reflexão, uma coisa nova, oito pessoas, quatro europeias, quatro de outras culturas. Iremos fazer propostas, que se querem inovadoras, sobre as relações entre a Europa e os países do Sul. Incluindo num domínio pouco estudado, as questões da juventude. Dar outras perspectivas aos jovens, em particular aos das margens Sul do Mediterrâneo, para que tenham oportunidades sem que necessitem de sair das suas terras e emigrar.
Prometo, também, que vou expandir a minha produção escrita. Mais textos, mais reflectidos, mais investigados. Mais intervenção.