Nestes dias, o político de quem se fala chama-se François Fillon. No espaço de três semanas, conseguiu passar de um canto obscuro para a boca de cena da política francesa. É agora o candidato oficial do partido Les Républicains, uma formação de direita que Nicolas Sarkozy havia reformado em 2014, com a intenção de a utilizar como a via de regresso ao Palácio do Eliseu.
Sarkozy já é história, acabaram as suas ambições presidenciais. A direita conservadora que vive na França profunda, na província, nas terras marcadas pela vivência rural e pelos valores católicos tradicionais, perdeu a inocência e deixou de acreditar no estilo endiabrado, e feito de improvisações, que o antigo presidente personificava. Viu em Fillon a imagem que fazem de um presidente da república – sereno, austero, polidamente distante, quase monárquico. Notou, também, a coerência e a clareza do seu discurso. Gostou, além disso, de o ouvir defender um nacionalismo educado, que não faz alarde da xenofobia, embora esta esteja subjacente, e propor uma função pública mais eficaz e mais leve em termos de efetivos, e menos pesada em termos de impostos. Na realidade, Fillon representa, para quem o apoia, o renascimento de uma certa ideia da França, rejuvenescida economicamente, com maior peso político na Europa, e nacionalista sem extremos embaraçosos. Refere-se a uma França alicerçada na nacionalidade genuína, ou seja, de há gerações, nos valores de matriz cristã, assente no conceito de família tradicional e no respeito pelos notáveis locais, por oposição subentendida às elites libertárias de Paris.
É, de certa maneira, um regresso implícito à maneira gaulista de ver a nação. Na verdade, para a direita, François Fillon simboliza o retorno do pêndulo. Contra a esquerda que está no poder há quase cinco anos e que tem dado uma imagem de incoerência ideológica e de miopia política, de navegação à vista. François Hollande terá contribuído, como ninguém, para a desagregação do Partido Socialista francês. A história lembrar-se-á disso e da sua falta de estatura para o cargo, tão bem ilustrada pelo ridículo das suas escapadelas como o passageiro da motocicleta de um amor às escondidas.
É igualmente o candidato que parece poder travar a tendência populista que tem marcado as consultas populares, noutros horizontes políticos. Contrariamente ao que alguns querem que pensemos, Fillon é visto por muitos em França como uma espécie de anti-Trump. O seu programa não faz promessas celestiais. Antes pelo contrário e, por isso, a sua popularidade surpreende. Podemos não acreditar na exequibilidade desse programa, mas anuncia mais horas de trabalho semanal, menos emprego na função pública, um recuo na idade da reforma e outras coisas que ninguém pode, com honestidade, considerar demagógicas. Poderão, isso sim, ser vistas como opções erradas. No entanto, uma boa maioria do eleitorado de direita achou que faziam sentido.
Acima de tudo, Fillon poderá impedir Marine Le Pen de ganhar as presidenciais. E essa é, para mim, a sua grande vantagem. O populismo de extrema-direita de Le Pen constitui, nos próximos meses, a maior ameaça à estabilidade da França e da Europa. Estrategicamente, é fundamental concentrar uma boa parte da luta política no combate a Le Pen. Não podemos deixar que ganhe as eleições presidenciais de Maio de 2017. E aí, a candidatura de Fillon é, apesar de todas as reservas que possamos ter sobre o seu programa político e a sua maneira de ver a vida, a melhor aposta. Não é uma questão do mal, o menos. É uma questão existencial, estratégica para o futuro da Europa que ambicionamos.
Donald Trump é o político de quem se fala. E, paradoxalmente, um político que nos faz pensar, que nos interpela. Digo isto, embora não seja, de modo algum, um fã. Antes pelo contrário! Há que reconhecer, porém, o sucesso da sua campanha eleitoral, que parece agora imparável do lado republicano, e tentar perceber as razões dessa popularidade. É igualmente importante que nos interroguemos sobre a possibilidade de um fenómeno semelhante poder surgir na paisagem eleitoral europeia.
Uma boa parte do sucesso de Trump provém da prática de uma política de espetáculo. O homem é um artista que sabe de teatro, de palhaçadas e de exposição mediática. Não pratica a política do discurso chato e sinuoso. Não há aliás discurso, no sentido tradicional do termo, nem é claro que saiba articular um encadeado de ideias programáticas. Também não tenta. Vai de comício em comício, repetindo as mesmas frases simples e diretas, as mesmas palavras de empatia fácil com as audiências. É, embora a grande distância, uma edição bem mais popularucha e prosaica, um enorme exagero caricato do que foi a hábil campanha do próximo Presidente da República Portuguesa. Dá resultado, como se sabe.
Trump não tem preocupações com o politicamente correto, nem porventura saberá o que isso é. Para mim, que passei décadas da minha vida profissional num ambiente em que primava e se cultivava a mesura do verbo e a diplomacia da frase, pode parecer-me uma falta imperdoável. Porém, para o cidadão comum, aparece como uma lufada de ar fresco. As pessoas querem entender o que os políticos dizem e Trump consegue explorar com mestria esse desejo. Como também sabe tirar vantagem da crescente rejeição popular das elites governativas, e dos intelectuais e outros círculos de influência que giram à volta do poder. Os sentimentos de desilusão e de impossibilidade de mudar a classe dirigente geram facilmente desespero, desnorte e revolta, nomeadamente junto de muitos dos que se sentem socialmente mais frágeis. O homem de quem se fala personifica essa ira e alimenta a esperança que o relacionamento entre os governantes e os governados possa mirificamente mudar.
A globalização tem aberto oportunidades para muitos. Mas, para quem não tem as qualificações profissionais que permitam tirar partido dessas oportunidades, a globalização afigura-se como uma ameaça. Faz temer o futuro e cria um terreno fértil para os ultranacionalismos. Para muitos, na América como por cá, a liberalização das trocas internacionais e o crescimento dos sectores de ponta da economia significam empobrecimento, incerteza e mesmo exclusão. Tudo isto pode ser aproveitado por quem se sinta à vontade no campo da demagogia. Fala então de muros, de barreiras, da abolição dos acordos comerciais e do renascer da grandeza da nação. Trump sabe desbocar essas ideias descomplicadas com uma franqueza primária. E isso dá-lhe vantagem.
A base de apoio de Trump é conservadora e maioritariamente branca, com laivos racistas. Pode ir mais longe, ser mais alargada. Uma boa parte das explicações também podem atrair a massa de eleitores que circula ao centro e que vota umas vezes de um lado, outras do outro. São pessoas que partilham muitas das ansiedades e dos preconceitos a que acima aludo.
E na Europa? Há espaço para que surja um Trump dos nossos?
Claro que sim, podendo ser um radical quer à direita quer à esquerda. Estas coisas que dão votos aprendem-se facilmente. Pode é faltar o estilo e a postura de confiança que o americano projeta e que neste tipo de campanhas são questões essenciais. Sem elas, fica-se com uma imitação medíocre de um modelo já mau demais.
E por falar em imitações falhadas, um dos nomes que vem imediatamente à lembrança é o de Nicolas Sarkozy. O antigo presidente francês quer voltar ao Palácio do Eliseu em 2017. A sua linha de atuação é básica e populista. Agarra-se demagogicamente a tudo o que possa dar votos, sem se preocupar com a coerência das suas posições. Mas não tem a prestança nem os recursos de Donald Trump. Contrariamente ao seu modelo americano, irá ficar para trás. É aliás o que já está a acontecer, nesta fase de aquecimentos, em preparação para as presidenciais francesas do próximo ano.
Convém, no entanto, estar atento aos candidatos a líderes nesta nossa velha Europa. A demagogia floresce mais facilmente quando nos encontramos em alturas de crise. E a Europa está mergulhada numa crise profunda. Sem olvidar que a eleição de um fanfarrão na América só viria complicar ainda mais os nossos já muitos e graves apuros.
Na França, os resultados eleitorais de hoje são melhores do que se temia. A Frente Nacional de Marine Le Pen, um partido que é uma ameaça à democracia, à paz social e à Europa, um ninho de víboras racistas, xenófobas e de inadaptados face aos desafios actuais, víboras que vivem da exploração fácil do populismo e dos medos colectivos, não teve o sucesso que se temia e que todos anunciavam. Mesmo se um em cada quatro franceses vota na Frente Nacional, a verdade é que no momento decisivo, a maioria decidiu com moderação e disse não aos radicais de direita.
Constata-se uma viragem à direita, reconheço. Trata-se, no entanto, da direita republicana, sem extremismos. Uma direita que respeita a diversidade étnica e cultural, que define a sociedade francesa de agora. Uma direita que sabe que sem a participação construtiva da França o projecto europeu não terá futuro.
Quanto ao partido de François Hollande, o PS, os resultados preliminares mostram que a erosão política parece estar a ser contida.
Não percebo qual foi o motivo que levou Nicolas Sarkozy a escrever o que escreve sobre a UE na edição do magazine Le Point publicada ontem.
Influenciar os eleitores de direita e tentar evitar um êxodo do seu eleitorado na direcção da Frente Nacional de Marine Le Pen? Talvez. Mas o seu texto não influencia ninguém, nesta fase do processo, como uma sondagem hoje realizada pelo Figaro, um jornal da mesma área política, o revela.
Mostrar que ainda mexe politicamente? Talvez. Mas mexe mal, que o texto é um apanhado de contradições. Sem contar que defende uma Europa franco-alemã que já não existe.
Tentar pôr em xeque François Hollande? Talvez. Mas Hollande não precisa de Sarkozy para meter os pés pelas mãos. Sabe-o fazer sozinho, não precisa das piruetas de um rival que ainda não aceitou a derrota. Sem esquecer, diga-se, que a posição de Hollande em relação à Europa é construtiva e realista.
Será um mero exercício de hipocrisia política? Talvez.
A verdade é que ao ler o texto fiquei a pensar como foi possível ter entre os dirigentes da Europa, no passado recente, um trapalhão como este?
Assim não vamos lá. Nem em termos do projecto comum, nem mesmo em termos de atrair os cidadãos a ir às urnas.
A primeira volta das eleições presidenciais francesas mostrou que o eleitorado de esquerda mais o da extrema-esquerda pesa cerca de 43% do total dos votantes. Estas pessoas votarão por Hollande a 6 de Maio, salvo raras excepções. A este número será possível acrescentar uma parte dos eleitores do centro-direita e da Frente Nacional (FN), a extrema-direita, e ganhar a segunda volta. Como a percentagem de eleitores do centro-direita, que apoiou Bayrou, não é muito significativa, e nem todos irão apoiar o candidato socialista, chega-se à conclusão que quanto maior for a margem de ganho acima dos 50% maior terá sido o número de simpatizantes da FN que terá decidido agora votar por Hollande. Não por causa do seu programa, mas para eliminar Sarkozy.
Dizem-nos, no seguimento da baixa da nota de crédito francesa, que não há razoes para pânico. De facto, o pânico é um mau conselheiro. Mas a verdade é que os governos, lá como cá, precisam de se empenhar muito mais na promoção da economia, na facilitação do empreendimento, na criação de condições para que apareça investimento que crie riqueza e emprego.
Em França, a quebra da nota vai beneficiar a Frente Nacional de Marine Le Pen. Ou seja, muita gente confundida e desanimada com a crise vai votar FN. Se esta tendência se verificar, a questão já não será sobre as chances de reeleição de Sarkozy. Será mais imediata: com Marine Le Pen a subir, é possível que Sarkozy nem à segunda volta vá, pois ficará, nesse cenário, em terceira posição.
Ora, o debate político, a escolha que os franceses deverão decidir deve ser entre Hollande e Sarkozy. Hollande e Le Pen levará Hollande ao poder, por ser o mal menor. A França precisa de um presidente com legitimidade reconhecida, Hollande ou Sarkozy, e não de um político eleito por ser o mal menor.
Entretanto, em Portugal, a discussão política passa ao lado de tudo isto. Fixa-se numa catrogada de asneiras e numa maçonaria de oportunistas. E na defesa dos interesses instalados nos media. Quer uns quer os outros não têm nada que ver com as preocupações do cidadão comum. São umas anedotas para entreter, meros verbos de encher...o bolso. O deles, claro.
Em 2012, a Sextas-feiras deveriam ser abolidas. Em ano de descalabro, as piores notícias serão sempre anunciadas ao fim do dia, a poucas horas do início do fim-de-semana. É o hábito dos habilidosos da política, da economia e finanças. Assim, as pessoas e os mercados têm tempo, julgam eles, para digerir a má nova. Na Segunda-feira, a noticia já é velha e estaremos todos mais calmos.
Hoje, além de Sexta, era dia 13. Foi o dia, ao fim da tarde, já com a noite a cair, que foi escolhido pela agência de notação Standard and Poor's para anunciar a degradação da nota francesa. Baixou de um nível, apesar do boato durante a tarde falar da possibilidade de dois. Um verdadeira bomba. A Franca, que seria um dos pilares do fundo de estabilização de que Portugal e outros esperavam poder beneficiar em 2012, deixa de ter a credibilidade necessária.
Por isso, a decisão de hoje é péssima para a França --tem custo elevadíssimos em termos do financiamento da economia nacional e das administrações do estado, numa altura em que já houvera um agravamento substancial dos impostos em 2011, mais 20 mil milhões de novas taxas, e quando está previsto um agravamento semelhante, este ano.
É, igualmente, como que um sismo para a zona euro.
Sem contar, claro, o impacto sobre a eleição presidencial de Maio.
A agencia de notação Standard & Poor's anunciou ao fim do dia que encara baixar a classificação da Alemanha, da França, Holanda, Áustria e Luxemburgo, de AAA para AA+. Esta é uma má notícia num mau momento.
O Reino Unido, que está em crise profunda, manteria a nota AAA. Como se, além do mais, um agravamento da crise na zona euro não viesse complicar ainda mais a situação económica britânica. Estranho me parece tudo isto.
A baixa da notação das principais economias europeias agravaria a posição financeira da zona euro. Teria consequências directas na capacidade de mobilizar novos recursos financeiros, incluindo os necessários para a sustentação dos pacotes gregos, portugueses e outros.
Espera-se, entretanto, que os mercados reajam com serenidade perante esta ameaça.
A cimeira de Paris, esta tarde, serviu para dar alguns sinais positivos. Houve vontade de ver o lado mais brilhante da iniciativa, sem sublinhar as zonas de sombra. Reconheço, no entanto, que a conjuntura continua muito instável. À hora a que escrevo, a meio do serão, as primeiras indicações são de que o euro vai voltar a perder algum valor, face ao dólar, nas próximas horas. Esse é um importante indicador de confiança, embora não seja o único.
É preciso continuar atento.
Em Portugal, a comunidade opinativa tem, no entanto, outras preocupações.
Um dos aspectos mais concretos que sobressai no discurso de ontem de Nicolas Sarkozy relaciona-se com o papel da Comissão Europeia. O chefe de Estado francês acha que a Comissão não tem estado à altura dos acontecimentos, para além de ter mostrado falta de agilidade. Sarkozy voltou a insistir na ideia de que a direcção da Europa pertence aos chefes de estado e de governo, sendo a CE apenas um secretariado executivo.
Quem não deve gostar muito desta conversa é o presidente da Comissão.
Como não deve ter gostado de ouvir a chanceler Merkel, hoje, repetir que não há espaço para eurobonds, na Europa de agora. A senhora está, aliás, muito desgastada com Durão Barroso sobre a matéria. Na sua opinião, a proposta de Barroso, na semana passada, em relação à criação de um certo tipo de eurobonds, foi totalmente inapropriada.
Sarkozy e Merkel vão avançar com uma série de propostas sobre a revisão do funcionamento da zona euro. Uma delas é relativa ao "travão constitucional", que querem ver incorporado na constituição de cada país membro da zona euro, de modo a limitar, na lei fundamental, o valor máximo do endividamento de cada estado. O patamar deve ser 3% do PIB.
Em Portugal, há muita gente no PS e na área da demagogia que se opõe a esse travão. Veremos como se tratará do assunto na nossa terra.
Entretanto, primitivos políticos de todos os bordos continuam a dizer e escrever coisas incendiárias em relação à Alemanha e a Merkel. É um erro muito grave. Faz regressar os velhos papões do nacionalismo bacoco e perigoso. A coisa está a tornar-se de tal modo séria que François Hollande teve que fazer hoje um apelo ao bom senso, para que esse tipo de reacções primárias cesse sem demoras.