Por razões técnicas de ligação, o meu comentário deste fim de tarde na CNN Portugal ficou por fazer. Teria falado das imagens chocantes que foram filmadas em Bucha, localidade cerca de Kyiv. Tudo parece indicar que centenas de civis foram vítimas de crimes de guerra, perpetrados por militares russos, antes da sua retirada. Trata-se de matéria muito grave.
Infelizmente, o comentador que apareceu no programa – um docente do ISCSP da Universidade de Lisboa e antigo funcionário superior do SIED – foi no mínimo ambíguo e superficial em relação à evidência dos crimes cometidos. Tentou ligar o odioso a acções de propaganda. Estas ambiguidades só servem para disfarçar a admiração que estes tipos de pessoas têm por Putin. Como não houve discussão, perdeu-se a oportunidade de pôr os pontos nos is.
Mas ficaram-me duas questões: primeiro, qual a qualidade das aulas que esta gente dá nas universidades onde leccionam? Segundo, será o SIED – o chamado serviço de informações relacionadas com o estrangeiro – um viveiro de pró-putinistas? É que este professor é mais um caso ligado ao SIED. Provavelmente a resposta é negativa, que não se trata de um viveiro. Mas os serviços secretos de países aliados também poderão ter este tipo de interrogações.
Voltando à minha intervenção falhada, teria igualmente falado do que se tem seguido à cimeira de sexta-feira entre a União Europeia e a China. Um pós-cimeira muito interessante, sobre o qual vale a pena reflectir. Há muito em jogo, de um lado e do outro.
A saga à volta do SEF está a revelar a incompetência e a falta de verticalidade de quem detém o poder. O próprio Presidente da República está a ser apanhado na rede dos que sacodem o capote ou fingem que nada viram. Mas a atenção está acima de tudo focalizada no Ministro da Administração Interna, na sua falta de visão, autoridade e sentido das responsabilidades.
Neste fim-de-semana, o ministro equivalente na Albânia pediu a demissão. Um dos polícias do país matara um cidadão, ao usar a força de um modo excessivo e injustificado. Pouco depois, o ministro assumia a sua responsabilidade política. Sem grandes conversas, sem ambiguidades. É verdade que a Albânia é um pequeno país e uma potência como Portugal não quer seguir o exemplo de um Estado minúsculo. Aliás, Portugal não quer seguir a prática que é normal nestas situações. O poder que está no poder considera-se acima dessas coisas.
Entretanto, o Director Nacional da PSP viu um microfone pela frente e falou da reestruturação do SEF. Conheço Magina da Silva há muitos anos e tenho a maior consideração pelas suas capacidades profissionais. Creio, no entanto, que não se deveria ter pronunciado sobre o assunto em público.
A reorganização dos sistemas nacionais de polícia é um tema muito delicado. A experiência de outros Estados europeus mostra-o claramente. É um assunto imensamente político. Exige consensos alargados. Cabe aos líderes políticos tratar de os encontrar. Na maioria dos casos não o fazem por não terem a coragem política que é necessária.
Aqui, em Portugal, não sei se é essa coragem o que falta ou se é apenas uma questão de não saber ver o é preciso fazer na área da segurança.
A 22 de Fevereiro, um comando de dez indivíduos introduziu-se na embaixada da Coreia do Norte em Madrid. No termo dessa operação, conduzida de uma maneira altamente profissional, foram roubados vários tipos de ficheiros informáticos. O cabecilha do comando viajou de imediato para Lisboa e daí para Nova Iorque. Os outros desapareceram na imensidão das sombras das operações secretas.
Desde então, quase dois meses passados, nada mais se soube sobre a investigação que a justiça espanhola tem em mãos. Aparentemente, o inquérito não avança, para além da identificação de mais dois ou três membros do grupo, gente ligada aos Estados Unidos e à Coreia do Sul.
É verdade que uma intervenção deste género só pode ter sido orquestrada por um serviço de espionagem ou secreto bem rodado. E quando isso acontece, o silêncio é a resposta habitual.
Uma comissão parlamentar francesa submeteu hoje à aprovação da Assembleia Nacional um relatório sobre as circunstâncias e as respostas dos serviços de segurança e outros aos atentados que ocorreram no ano passado em Paris. O relatório, fruto de seis meses de trabalho a sério, constitui acima de tudo uma reflexão aprofundada sobre as polícias, os sistemas de informações, os serviços de urgência médica, a radicalização nas prisões e também sobre o papel da comunicação social e das redes, durante o decorrer das operações. Quando estiver disponível ao público tornar-se-á um documento de referência indispensável para quem anda por estas matérias.
Uma das constatações mais importantes tem que ver com uma debilidade que já tive a ocasião de mencionar aqui, neste blog, e noutros locais: quando existem vários serviços autónomos de polícia os problemas de comunicação e de coordenação entre eles são uma realidade com graves consequências operacionais. Prima a rivalidade e o a falta de cooperação efectiva. A centralização dos diferentes órgãos de polícia debaixo de uma autoridade única é essencial, quer na fase de prevenção do terrorismo quer ainda quando se trata das acções tácticas, da planificação operacional, ou ainda no período subsequente de investigação.
No caso concreto da França, para além da concorrência entre as unidades especiais de polícia e de gendarmaria existem vários serviços de inteligência, altamente apetrechados mas nem sempre eficazes. Na verdade, procuram, cada um no seu campo, salvaguardar os seus interesses próprios, justificar a sua razão de ser, os seus efectivos, orçamentos e prerrogativas. Quando há trabalho a sério, o protagonismo é mais importante do que a cooperação.
O relatório também aponta para as falhas de coerência operacional entre as polícias e as forças militares. Aliás, tornou-se uma vez mais evidente que o papel das forças armadas em funções de segurança interna levanta várias interrogações que continuam por esclarecer.
Outros aspectos dizem respeito ao treino de tiro, que é insuficiente, e à necessidade de reforçar muito seriamente as capacidades de análise da ameaça, de separação do trigo do joio, no diz respeito à informação recolhida, bem como as competências em matéria de definição estratégica dos riscos e de coordenação operacional. É igualmente urgente estabelecer uma nova capacidade nos serviços prisionais: a inteligência relativa às actividades dos prisioneiros próximos do pensamento e da acção radicais.
Quanto aos serviços de emergência médica, ficou claro que os profissionais que são responsáveis pela assistência de primeira linha não têm a preparação necessária para tratar de feridos com armas de guerra e para agir em situações de violência terrorista. Haverá que rever a formação e pensar em moldes que são os próprios da medicina aplicada a situações de guerra.
O relatório dedica todo um capítulo ao trabalho da comunicação social durante a cobertura dos incidentes. E faz uma série de recomendações que terão certamente que ser discutidas entre as autoridades políticas e os órgãos representativos dos jornalistas. A ética da profissão de jornalista precisa de ser revista face à seriedade dos actos terroristas e ao uso que os criminosos poderão fazer de informações em directo.
Finalmente, uma palavra sobre a cooperação entre as polícias europeias. Há aqui muito por fazer. Para começar, será preciso reforçar o papel da Europol bem como promover uma articulação muito mais apertada entre essa organização e Frontex, assim como com os serviços nacionais de fronteiras.