Tornou-se um ritual. No segundo Sábado de cada uma das minhas estadas em Riga deambulo pelo mercado central da cidade. É um prazer. Tudo limpo e arrumado, e ao mesmo tempo diferente do que é hábito na Europa em que vivo o resto do ano. Para além de uma enorme variedade de bagas, colhidas nas florestas bálticas e próprias do Norte da Europa, muita da fruta vem da Turquia e do Uzbequistão, alguma da Geórgia ou do Azerbaijão – sobretudo as melancias. Há toda uma área que só vende flores, que oferecer flores faz parte da cultura quotidiana das pessoas daqui. A zona dos talhos está num hangar numa das pontas do mercado. Na ponta oposta, estão as bancas de venda de peixe. A carne é barata, raramente as melhores partes indo além dos 12 euros por quilograma. O peixe ainda é mais em conta e a variedade é muito diferente da que vemos em Portugal. Há muita lampreia, esturjão, enguias e outros peixes de rio, todos com um ar que mete medo, para além do inevitável salmão de cultura. Muito do peixe é vendido fumado. Fumar o peixe é uma tradição que vem dos tempos de outrora e que continua a fazer parte dos gostos de agora.
Tudo é uma curiosidade que vale a pena explorar. E tudo se passa num ambiente quase sem ruído. Ir ao mercado em Riga é, por isso, no silêncio das cores e na beleza das pessoas, uma espécie de viagem espiritual.
A tragédia que o Haiti está a viver toca-nos muito. Tenho, na minha Missão, vários funcionários de nacionalidade haitiana. Estão como que paralisados, o choque foi demasiado grande. A nossa equipa de aconselhamento psicológico, um pequeno conjunto de especialistas que está muito habituado a lidar com traumas violentos, em zonas de conflito, tem estado em contacto com os colegas que ficaram mais fragilizados.
O chefe da Missão da ONU no Haiti, Hédi Annabi, um velho colega meu, e o seu adjunto, o Luís da Costa, outro conhecido de muitos anos, continuam desaparecidos. Estavam, mais o Comandante da Força Militar da ONU, o Comissário da Polícia (UNPOL) e outros colegas seniores, numa reunião com uma delegação chinesa. Receia-se que tenham, todos, perdido a vida.
O destino é o que é. O General Gerardo Chaumont, um homem bom, argentino e com muita experiência em matéria de segurança, antigo comandante-geral adjunto da Gendarmeria Argentina, trabalhou um ano e meio comigo no Chade. Em finais de Dezembro, resolveu aceitar a sua transferência para a Missão no Haiti. Por ser mais perto de Buenos Aires. Queriam que fosse directamente de N'Djaména para Port-au-Prince. Se tivesse acedido, teria morrido ontem. Mas, não. Disse que só começaria as suas novas funções em Fevereiro. Quando o fizer, encontrará um Haiti destruído e à deriva.
Em tempos de Páscoa, é bom esquecer a política. É que a política, tal como a praticamos nesta terra, precisa de pausas sanitárias, de vez em quando. Sobretudo quando o país está de dar em doido.
Pausa. Que viva o sonho das cores que alimentam a esperança.