Um fim-de-semana prolongado, no meio de um período de confinamento, é um aborrecimento. Sem que se possa sair de casa, excepto por motivos justificados, a pergunta que fica é que fazer com estes três dias de folga? Como os tornar diferentes dos outros dias de confinamento?
Entretanto, li o discurso da camarada que manda na CGTP. Aquilo que disse ontem, na Alameda, em Lisboa, por motivo do 1º de Maio. Fiquei com a impressão que a senhora ainda não foi informada do extremo impacto negativo que a Covid-19 tem na economia nacional e nas economias que estão intimamente ligadas à nossa. É verdade que fez umas referências, de raspão, à epidemia. Mas se eu tivesse arriscado a pele, como cerca de um milhar de pessoas o fez ontem, ao deslocarem-se à celebração da CGTP, teria querido, em compensação, ouvir mais do que os habituais lugares-comuns. De uma central que representa uma parte dos trabalhadores portugueses esperam-se ideias novas, neste mundo diferente em que estamos agora.
Neste estranho sábado de Agosto, noto duas observações.
O maior partido da oposição – o PSD – não tem uma linha clara sobre a greve dos camionistas de combustível. O comunicado oficial que publicou sobre o assunto tem a clareza própria de quem não sabe o que dizer ou fazer. É um comunicado mal cozido em águas de bacalhau. Nada propõe de concreto, para além do adiamento da acção sindical para depois das eleições legislativas de Outubro e de uma vaga referência a uma mediação com “mais recato”, por parte do governo. É assinado por um dos vice-presidentes, quando deveria ser assumido abertamente pelo presidente do partido, dado o impacto estratégico desta greve.
Talvez alguém pudesse lembrar a Rui Rio que situações como estas definem a qualidade da liderança.
Mas isto de liderança é outra conversa.
A segunda observação refere-se à posição de apoio que vários sindicatos anunciaram. Não seria de esperar outra coisa, apresso-me a acrescentar. Mas também digo que há aqui matéria para reflexão sobre a maneira de agir de uma parte do movimento sindical português. Sobre os direitos e os deveres dos sindicatos, sobre a subordinação das reivindicações sectoriais aos interesses estratégicos nacionais, sobre a politização do movimento, o respeito das instituições e das autoridades legitimamente constituídas, e assim sucessivamente.
A liberdade exige uma visão madura e equilibrada da democracia. O debate desta equação parece estar por fazer, conforme nos lembram os sindicatos agora apoiantes.
Dizem-me que a comunicação social portuguesa destinada ao cidadão comum não tem prestado grande atenção à enorme e caótica agitação social que se vive actualmente em França. Assim, poucos terão uma ideia, mesmo aproximada que seja, das razões que estão na base das muitas greves, bloqueios, manifestações de rua, e alguma violência, que têm ocorrido nos dias que passam.
A título de exemplo, refira-se que mais de 20% das estações de serviço estão secas, sem combustível, e as que o têm só permitem um abastecimento reduzido. Por outro lado, o fornecimento do carburante destinado aos aviões vai começar a ser racionado este fim-de-semana e as centrais eléctricas só trabalham parcialmente. Nos próximos dias deverá ter lugar uma paralisação dos transportes aéreos, de 3 a 5 de Junho, e assim por diante. Tudo isto acontece nas antevésperas do Euro de futebol, que começa dentro de duas semanas.
A causa imediata destas vagas de manifestações tem que ver com uma nova lei do trabalho, que ainda está na fase de aprovação, mas que deverá ser imposta com base num artigo da Constituição que permite a aprovação de leis, em condições excepcionais, por decisão expressa do governo. Se fosse votada na Assembleia Nacional em condições normais, a lei não passaria. A nova legislação introduz, ao nível das empresas, uma grande flexibilidade negocial, que colocará muitos contractos de trabalho fora das regras colectivas que possam ter sido negociadas pelos sindicatos ao nível do sector de actividade económica. Em grande medida, o conselho de trabalhadores de empresa passará a ter poderes que acabarão por enfraquecer as organizações sindicais.
Existem, no entanto, causas mais profundas. De ordem política, de natureza sindical, com a Confederação Geral dos Trabalhadores a perder influência à medida que o tempo passa, bem como causas económicas e sociais. A reflexão sobre essas causas que vão além do imediato parece-me fundamental. Tem que ser feita. Para mais, ajudar-nos-á a entender melhor o que nos espera, também a nós, numa Europa cada vez mais integrada na competição global.
Estou inteiramente de acordo que uma das prioridades em termos da nossa economia é o investimento. Nacional e estrangeiro. Investimento que se fundamente em conhecimentos e capital. E que seja capaz de criar emprego.
Essa deve ser uma das preocupações centrais do governo e dos agentes económicos e sindicais. Deve, igualmente, ter presente que a imagem do país é, nestes dias, mais favorável. Sim, de facto assim é. Por razões objectivas e também por jogos de espelhos, mas a verdade é essa. Há que aproveitar.
Mas haverá igualmente que compreender bem o que é actualmente um travão ao investimento. E ter a coragem de falar nisso e de tratar de o resolver.
Já pensaram qual seria a reacção das autoridades se um grupo de sindicalistas americanos resolvesse fechar ao trânsito, por várias horas, a ponte de S. Francisco? Ou se essa tentativa decorresse em Paris, ou na ponte que liga a Suécia à Dinamarca, ou numa das vias nevrálgicas de Moscovo ou de Pequim? Qual seria a resposta a essa tentativa de, sob o pretexto de uma manifestação de desagrado laboral, fechar uma via de primeiríssima importância para a circulação das pessoas e dos bens, e para a segurança de muitos?
Um leitor amigo diz-me que é preciso manter o optimismo. Creio que tem razão. É preciso acreditar que o futuro será melhor que o presente.
Mas não é fácil. O presente está um caos.
Ainda hoje lia na imprensa diária que os prédios da Avenida de Roma e da João XXI estão a ser sistematicamente assaltados, para roubar os metais das entradas e os candeeiros e lâmpadas dos corredores. E alguém me dizia que na Barra Cheia, na zona rural da Moita, as casas sem gente durante o dia são alvos sistemáticos dos gatunos. Segundo parece, até os umbrais das janelas levam. E agora, um conhecido telefona-me para dizer que ontem parou no centro do Porto Covo, uns quinze minutos, o tempo que demorou a tomar um café. Ao voltar ao carro, tinha o vidro partido e a viatura arrombada.
Isto para mencionar coisas que tocam de muito perto ao cidadão comum.
Também é verdade que muitos dos cidadãos comuns estão sem emprego. Isto talvez explique uma parte importante da coisa. Mas será explicação suficiente?
Quem me ler vai pensar que esta divagação pelas questões da segurança quotidiana está fora da agenda, num dia em que a notícia foi a greve dos professores. Porém, sobre esse assunto já se escreveu muito. Incluindo sobre o medo de perder o emprego, um receio cada vez mais frequente, e que certamente esteve na mente dos muitos que hoje “faltaram à escola”.
O Presidente da República diz que a soma das reformas que recebe ou vai receber não chegam para cobrir as suas despesas domésticas. O Vasco, homem de boas letras mas que, enquanto comentador do quotidiano português, tem um longo currículo de escritas desvairadas, vai para chefe-mor do Centro Cultural de Belém. Mas há mais. O camarada da CGTP a pôr o companheiro da UGT em tribunal. O Mário a escrever mais uma ilusão na sua coluna semanal. O pastel de nata a ser promovido a símbolo da economia nacional de ponta.
E assim sucessivamente.
De facto estamos todos a precisar de um fim-de-semana prolongado.
Viajo frequentemente em companhias semelhantes à TAP. Na maior parte das vezes noto duas coisas: primeiro, que o pessoal de cabine dessas companhias é, em média, menos numeroso que no caso da TAP; em segundo lugar, que têm, em geral, uma atitude mais profissional, com um grau de empenho mais notório, mais passagens na cabine e maior sentido de serviço.
Isto em classe económica.
Na secção executiva, surge uma outra diferença. O pessoal da TAP tem uma atitude mais subserviente do que os seus colegas de outras companhias. Não convém confundir subserviência com atenção ao passageiro e qualidade. É a vénia perante os que parecem ter algum poder, uma vénia bem portuguesa.
O anúncio hoje de 10 dias de greve em Junho e Julho vem lembrar-nos uma outra característica da TAP: a irresponsabilidade dos seus dirigentes sindicais. Uma greve dessa amplitude, decidida por se ter retirado um membro do pessoal de cabine por voo, é um atentado contra a sobrevivência da companhia e um golpe muito sério na credibilidade internacional de Portugal, numa altura de crise profunda.
Informam os meios de comunicação social que os sindicatos da função pública portuguesa querem um aumento salarial de 2,9% em 2011.
Penso que esta informação não pode, de modo algum, ser verdadeira. Quem vai acreditar que associações sindicais responsáveis, como certamente serão as que representam os nossos funcionários, possam pensar em aumentos dessa ordem, quando a situação das finanças públicas do país está a ficar cada vez mais insustentável?
Os dirigentes sindicais, como aliás todos nós, sabem que sem um corte das despesas públicas a sério, em 2011 -- e no que resta de 2010 -- o financiamento externo da economia portuguesa ficará totalmente comprometido. Sem acesso aos capitais exteriores, serão vários os sectores económicos a entrar em derrapagem total.
A Espanha está a ganhar a confiança dos mercados. Adoptou medidas económicas claras em Maio, num pacote único. Que incluiu uma redução imediata da despesa pública, com cortes nos salários na ordem dos 5% para todos os funcionários, limites nas pensões de reforma mais elevadas, e na ajuda externa. Não optou pela política das mijinhas, tão praticada deste lado da fronteira, do género, hoje corto aqui, amanhã corto ali, no dia seguinte subo mais um imposto, anulo mais uma vantagem fiscal, enfim, um rodopio de pés de dança que é próprio dos fracos e dos incompetentes, de quem não conhece a música, dos maus dançarinos.
Os operadores económicos querem certezas, não querem um rosário de indecisões e de medidas avulsas.
Convém lembrar que se trata de um governo socialista. As questões de natureza ideológica são importantes. Definem as grandes opções. Mas, quando se está perante uma crise profunda, a ideologia é notoriamente insuficiente. É preciso mostrar competência.