O Ano Novo começou engripado. Para o governo – hoje houve mais um escândalo – e para nós, aqui em casa.
Deixemos os problemas da governação com o Primeiro-Ministro, que é aí que eles encontram a sua principal causa – nomear gente sem fazer uma avaliação política, já não digo ética, de cada um dos escolhidos. Aqui em casa, foi preciso chamar o INEM, que demorou uns 15 minutos a chegar, nas horas da manhã. Depois de uma primeira observação, e da estabilização da doente, concluímos que a melhor opção era continuar em casa. O tempo de espera no Hospital São Francisco de Xavier, a dois passos daqui, seria de nove horas ou mais, para quem recebesse uma pulseira verde.
Os técnicos do INEM foram extremamente cordiais. E perante a nossa decisão de não ir passar tempo no corredor de espera do hospital, sugeriram que contactássemos o nosso Centro de Saúde, para marcar uma consulta. A sugestão era apropriada. Mas o problema é que em dois anos e meio, desde o nosso regresso a Portugal, ainda não conseguimos inscrição no Centro de Saúde desta parte de Lisboa.
Como diria o outro, isto de gripes em idades avançadas tem que se lhe diga. Mesmo estando ambos vacinados.
Perante os factos – a quase totalidade dos internados por motivos de Covid-19 são pessoas que não foram vacinadas – defendo todo o tipo de medidas que tornem a vacinação uma necessidade para quem se quiser mover nos locais públicos.
Esta é uma questão que ultrapassa largamente a vontade individual, por ter enormes repercussões sobre o funcionamento dos serviços de saúde e prejudicar grandemente os doentes com outras enfermidades. Quando o interesse público está em causa, há que tomar as medidas necessárias para o defender.
A liberdade e a responsabilidade de cada um são uma equação que tem de estar em equilíbrio.
Estive hoje no Pavilhão Desportivo da Ajuda, para receber o reforço da vacina contra a Covid-19 e ser vacinado contra a gripe. Foi um serviço impecável, graças ao trabalho das jovens enfermeiras do SNS, dos Sapadores de Lisboa destacados para dar apoio logístico e organizativo e de todos os que trabalhavam nos bastidores. Excelente.
Hoje fui à farmácia aqui ao lado. Durante as apresentações, a farmacêutica ficou a saber que eu vivera até há pouco na Bélgica. E falámos da vacina da gripe. Que está disponível em qualquer farmácia de um qualquer bairro, no canto mais escondido da Bélgica. Aqui, não há. Ela já nem se lembrava há quanto tempo tem essa gaveta vazia.
Fiquei a pensar se o sistema não consegue pôr à disposição dos cidadãos uma vacina tão básica como a da gripe, que irá acontecer com a disponibilidade da vacina contra o coronavírus?
Pensar nessa pergunta – e tendo em conta as exigências de conservação que a vacina exige – deixou-me em pânico. Quero acreditar na eficiência do nosso sistema, é verdade. Mas a questão da gripe deixa-me com a tensão alta.
Talvez seja melhor apostar numa boa reserva de máscaras…
Ninguém lhe pergunta pelo nome. Há anos que passa o dia na esplanada da rosa-dos-ventos, junto ao Padrão dos Descobrimentos, em Belém. A vender óculos de sol. Durante alguns anos, foi o único vendedor. Agora, o sítio está cheio de “ciganos”, como ele diz, todos no mesmo negócio. Ele também é cigano, mas de outra estirpe, um verdadeiro senhor, sem sotaque e sempre bem apresentado. Elegante, à sua maneira, que quem vende deve inspirar confiança.
Para quem passa, hoje ou frequentemente, é apenas um velho cigano que por ali anda, 67 anos de idade, a tentar vender uns óculos que poucos compram. Na verdade, com a concorrência que por ali há agora, tem dias em que vende apenas um par. Diz que mesmo assim vale a pena, que isso o ajuda a passar o tempo, permite-lhe sair de casa, longe do rio, na zona de Loures.
Nestes últimos tempos, anda encostado a uma canadiana. Tantos anos de pé, à volta do mundo que está desenhado no chão da rosa-dos-ventos, deram-lhe cabo de ambos os joelhos. De vez em quando não se aguenta nas pernas e cai. Mas com a afluência de turistas, há sempre quem o ajude a levantar-se. Um vendedor de óculos de sol vive e sobrevive de pé.
Está inscrito no Hospital de Loures há muito mais de dois anos, para fazer a operação que os joelhos lhe pedem. No chamado Serviço Nacional de Saúde. Já o convocaram, há cerca de um ano, para falar com o anestesista. E depois, é só esperar. E lá continua à espera, talvez mais um ou dois anos. Nessa altura, já deverá andar de cadeira de rodas, sempre à volta do mapa do mundo. O SNS pode não funcionar, mas a vida de vendedor ambulante não pode parar.
Entretanto, vai-se consumindo na resignação revoltada de quem não tem nome nem acesso. E de quem sabe o que significa ter que esperar pelo SNS.
O Diamantino é, afinal, à sua maneira, como muitos de nós.
Vista com alguma distância e sabendo o que se sabe sobre as imensas dificuldades do Sistema Nacional de Saúde, e também sobre a situação económica da maioria dos que têm que recorrer ao SNS, a greve dos enfermeiros parece-me situar-se para além do razoável. É certamente profundamente questionável, quer do ponto de vista da ética social quer ainda da lei da greve. Marcadamente excessiva.
Precisa de uma resposta política coerente. Essa resposta não pode ser dada apenas pela Ministra da Saúde. Deve competir ao Primeiro-Ministro. A gravidade das implicações desta iniciativa contestatória não permite que António Costa fique calado. De modo algum. É uma questão de liderança perante uma questão de interesse nacional.
PS: Depois de publicar este escrito, vi que o Primeiro-Ministro falou e foi claro. Só posso acrescentar, muito bem! Muito bem, na verdade! Apoio o que disse.
O meu escrito de ontem sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) mereceu um comentário muito pertinente do meu Amigo LFBT. Aconselho a ler o que ele anotou. E respondo que a solução para o que funciona mal no que respeita ao nosso SNS não é, como aliás ele bem frisou, a medicina cara e comercial praticada pelos seguros de saúde privados. A solução é um SNS mais eficiente, mais justo, mais equilibrado e mais acessível e atento aos que mais precisam. E mais médicos, de família e especialistas.
Mas, acima de tudo, há um problema de atitude que é preciso resolver. Não apenas a atitude que LFBT encontrou nalguns casos da medicina privada, que passa por tentar levar ao consumo de tratamentos que não se justificam. Falo, também, de uma atitude mais geral, que leva muitas vezes os médicos a não ver a pessoa, no sentido de não lhe dar a consideração, a atenção devida, e a tratar os pacientes por cima da burra.
Tenho ainda presente que os mais pobres hesitam em ir às consultas não apenas por que não querem ser humilhados mas também porque “descobrir” que se está doente acarreta despesas, que mesmo subsidiadas, são incomportáveis para quem não tem recursos.
O Serviço Nacional de Saúde (SNS), visto donde eu me situo, funciona bem numas coisas e muito mal noutras. E quando um sistema tem muitas imperfeições, acaba por ser injusto: são os que têm menos poder económico e os pobres que sofrem mais com as falhas do sistema. Em Portugal, estar doente e ser pobre ainda é uma tragédia.
Assim acontece no nosso país. Quem não tem dinheiro nem cunhas, fica para trás e será atendido quando o for e, tantas vezes, sem a atenção necessária. Intervenções que, noutros países europeus, seriam feitas sem demoras, ficam meses por fazer, no nosso caso.
Mas, curiosamente o nosso SNS parece ser uma vaca sagrada. Todos o veneram e ninguém ousa contestar a sua ineficácia e as injustiças que lhe estão subjacentes.
Diz um leitor, num comentário de hoje, que a saúde não se interessa pelos pobres. Que os pobres são humilhados todos os dias nos centros públicos de saúde.
Não posso estar mais de acordo. O SNS é uma caricatura.Os utentes são tratados com desprezo. Um velho senhor da política, que sempre aponta o estabelecimento do SNS como uma grande iniciativa do seu partido, um momento histórico na governação que esse partido liderou, nunca deve ter utilizado o sistema. Vive, como em muitas outras áreas, numa ilusão política.
Quem é pobre confronta uma realidade bem mais diferente. Veja-se, a título de exemplo, o que o meu leitor conta.
Este é um dos aspectos da política portuguesa que terá que mudar.