Numa das minhas intervenções num canal televisivo nacional, a jornalista “pivot” queria que eu ligasse a crise no Sri Lanka ao problema do bloqueio da exportação de cereais ucranianos, bloqueio esse resultante da agressão russa. Outros comentadores e jornalistas têm feito essa ligação, sendo assim mais uma oportunidade para “globalizar” a crise que foi provocada na Ucrânia.
A violação da soberania ucraniana e o conflito que já dura à 138 dias tem na verdade um impacto internacional enorme. Nomeadamente em matéria de segurança alimentar, de desestabilização dos mercados de combustíveis, de aumento das dificuldades sociais em vários países mais vulneráveis e de polarização política. Mas não me parece correcto – e disse-o na minha resposta – fazer a ligação entre o caos económico e social que se vive no Sri Lanka e a questão dos cereais ucranianos. O colapso político, económico e político em que se encontra esse país tem outras causas: corrupção da classe dirigente, apropriação das riquezas e do poder pela família do Presidente Rajapaksa, a derrocada do sector do turismo por causa da pandemia e o endividamento público para além dos limites razoáveis. O Sri Lanka é um exemplo daquilo a que conduz a má governação, a corrupção das elites e a discriminação social das minorias. Estar a ligar tudo isto à invasão russa da Ucrânia é uma maneira de desacreditar as verdadeiras consequências negativas dessa agressão decretada pelo Kremlin.
Aconselho alguma prudência aos analistas habituais, quando chamados a pronunciar-se sobre os atentados de ontem no Sri Lanka. A situação política interna é muito complexa e o que aconteceu tem uma dimensão de política doméstica muito grande. Polícias especialistas em terrorismo, vindos da Europa e dos Estados Unidos, vão estar no país para acompanhar de perto as investigações que as autoridades nacionais já têm em curso.
Para já, o que é claro tem que ver com a dimensão, o comando e controlo desta operação terrorista – tudo feito de modo muito organizado, o que significa estarmos perante uma rede altamente preparada e não face a meros amadores suicidas. E também é claro que os autores procuraram obter um impacto com grande visibilidade internacional.
Serão estas as duas linhas de partida que irão guiar as investigações, para além duma averiguação extremamente detalhada dos círculos de pessoas e dos grupos ligados aos bombistas-suicidas. E de uma análise das falhas de coordenação entre os diferentes serviços nacionais de segurança, uns dependentes do Presidente e outros do Primeiro-Ministro.
Convém evitar a tentação de encontrar bodes-expiatórios fáceis, ao alcance da mão. A gravidade do que aconteceu exige um inquérito a fundo. Haverá muito que aprender. Nomeadamente, em termos de prevenção, para evitar, na medida possível, que as tragédias de ontem não se repitam noutros pontos do globo.
Este domingo de Páscoa ficará marcado pela extrema violência dos atentados praticados hoje no Sri Lanka e que tiveram como alvos igrejas católicas e hotéis frequentados por turistas estrangeiros. Foram actos profundamente chocantes, com consequências devastadoras, quer em vidas quer ainda para a tranquilidade que o país tem procurado estabelecer nos últimos anos.
Não se sabe ainda, apesar das especulações que por aí circulam, quem deve ser responsabilizado por estes crimes hediondos. Mas tem que haver uma condenação muito firme destas acções terroristas. Todos os quadrantes de opinião e de cultura devem expressar horror e solidariedade. E deixar as polícias continuar o trabalho de investigação que se impõe. Depois se falará de responsabilidades.