Começo por pedir desculpa a todas as Excelências. Mas queria voltar à questão de Tancos, para fazer uma pergunta pouco inocente. Quando na longa lista de arguidos encontramos um Ministro, o ex-director da Polícia Judiciária Militar, coronéis e majores, e uma certa suspeita sobre um Tenente-General, como se pode dizer que o assunto não tem uma dimensão política?
A parte “justiça” do caso de Tancos não deve, na verdade, ser comentada. Um número de indivíduos foi constituído arguido, acusados de vários crimes. Cabe agora à administração da Justiça tratar desses casos, um a um. A única observação que se poderá fazer é para rogar que os processos avancem rapidamente, tendo em conta a natureza dos crimes imputados e o tipo de instituição que está no centro da questão. Certos brados são uma ilusão, reconheço, mas devem ser feitos, apesar de tudo.
Mas existe uma parte política, que não pode ser escondida por detrás do biombo da justiça. Essa parte levanta muitas interrogações. Devem ser esclarecidas. A lista dessas interrogações inclui: a responsabilidade política; o funcionamento e a circulação da informação nos órgãos de soberania directamente ligados ao assunto; a responsabilidade militar, de quem mandava e estava na linha de comando; a performance, a disciplina e a motivação de algumas secções do Exército, o que isso implica e exige como medidas de correcção; o sistema de valores que impera em certos círculos com autoridade e que terá levado alguns dos arguidos a pensar que o caso seria abafado pelos grandes do reino.
Só estas questões já dariam pano para muitas mangas, se houvesse uma vida partidária capaz de ir além do nevoeiro mental.
Sou um telespectador acidental, no que respeita aos canais de televisão portugueses. Por várias razões, mas sobretudo pela má qualidade do que se mostra nos nossos ecrãs. Assim, mesmo quando me encontro em Portugal, passo ao lado.
Ontem, num momento de acaso, caí no debate que a RTP 1 chama “Prós e Contras”. Discutia-se Tancos, as Forças Armadas e os diferentes níveis de responsabilidade.
Dos presentes, apenas os dois generais sabiam da poda. O resto era conversa, académica, livresca ou simplesmente fora da substância. Confrangedor. Metiam-se os pés pelas mãos e confundiam-se conceitos básicos. Incluindo, como já vem sendo costume, defesa como se fosse segurança e vice-versa.
Para cúmulo, a moderadora mostrou uma vez mais o pouco jeito que tem para animar discussões que ultrapassem os temas de lana-caprina.
As armas e as munições, em quantidades que mostram que a coisa foi organizada a sério, foram roubadas de um paiol do Exército. Inacreditável!
O tipo de armamento levado pelos ladrões permite praticar actos terroristas de grande impacto. Preocupante!
As autoridades do país onde isto aconteceu limitaram-se, até agora, três ou quatro dias depois do acontecimento, a exonerar uns coronéis. Patético!
Os principais responsáveis políticos, os do lado da governação, mantêm-se calados. Incompreensível!
Do outro lado, os da oposição, diz-se umas baboseiras inconsequentes e pela rama. Incompetência!
Parece que haverá uma audição parlamentar do ministro da pasta. A resposta habitual!
Como também será de prever, dentro do que é a nossa normalidade irresponsável, que da audição não resulte nada de estrutural, para além do ruído a que já estamos habituados. Portugal!