A NOS, a companhia de telecomunicações a que muitos de nós estamos “fidelizados”, resolveu comportar-se como Vladimir Putin ou Xi Jinping ou um qualquer outro ditador fascista ou comunista. Retirou a BBC World da sua grelha de canais. Sim, a BBC, que é dos raros canais de televisão internacionais que procura manter uma posição objectiva e que não poupa esforços para nos informar do que vai acontecendo no mundo.
Conto-vos a minha aventura de ontem com a NOS.
De manhã, quando notei que do canal 205 se passava directamente ao 207, saltando o 206, que correspondia à BBC World, telefonei aos serviços técnicos da NOS. Para me queixar que estava sem o 206. Do outro lado da linha, a técnica tentou ajudar-me a resolver o problema. Durante uns 15 minutos segui todos os passos que ela me indicou. Mas o problema não foi resolvido. A técnica programou de imediato uma visita domiciliária, para que a questão pudesse ser resolvida na minha casa.
Uma hora depois, abri a porta a um especialista da NOS. O homem tentou tudo e mais alguma coisa para restabelecer a minha conexão com a BBC World. Em desespero de causa, acabou por mudar a minha box e instalar uma nova. Depois, procedeu à programação da coisa. E, no final, nada de BBC World. Resolveu então telefonar para uma secção especial da NOS. E pronto. Ficou a saber que a NOS, tal como um Putin qualquer, havia apagado a BBC World da sua grelha. Mantivera Cubavisión e mais umas ligações chinesas ou venezuelanas, à la Chavez, e uns canais obscuros que ninguém vê, mas a velha e respeitável BBC tinha ido para o caixote do lixo da história da NOS.
Sim, a BBC que sobreviveu guerras e todo o tipo de censuras, em várias partes do mundo, deixou de contar para os contabilistas da NOS. Cortada.
Não tenho informação privilegiada sobre o ataque cibernético contra a rede da Vodafone.
Todavia, tendo em conta o alvo, ou seja, uma empresa de telecomunicações que por definição deve estar altamente protegida contra os piratas informáticos, e o objectivo, que aparentemente era o de interromper um sistema importante para a ordem interna e a economia, creio que a origem do ataque só pode estar num serviço oficial baseado num Estado hostil. O grau de sofisticação necessário para uma operação destas só existe em estruturas secretas, pertencentes a forças militares ou a serviços de espionagem e de ofensivas cibernéticas.
Mais ainda, este incidente poderá ter sido um “exercício de prática” de uma dessas estruturas, ou então, uma espécie de aviso do que poderá acontecer se se passar a um patamar mais intenso de um conflito híbrido.
Por tudo isto, é essencial que haja colaboração entre os diversos organismos de investigação bem como com peritos estrangeiros, de nações aliadas, para que se compreenda o que se passou e se tirem as conclusões mais apropriadas.
É de prever que acções deste tipo voltem a acontecer. Convém aprender, melhorar, intensificar os meios de protecção – nomeadamente os meios humanos – e esclarecer as pessoas, de modo a evitar que a penetração dos sistemas se faça por razões de desconhecimento e de desleixo.
Passei os dois últimos dias perdido no labirinto das incompetências da NOS. E chego ao fim do dia de sábado com a linha do telefone fixo avariada e com um router novo, instalado na quinta-feira, que só trabalhou vinte e quatro horas. Desde então, e depois de várias chamadas de assistência técnica, está fora de jogo. Dizem-me agora que mandarão cá a casa um técnico, amanhã, domingo. Que esteja de alerta, a partir das oito, é o que me pedem.
Isto parece ser tão complicado como a cimeira da União Europeia em Bruxelas. Só que a NOS exige uma fidelização do cliente, coisa que a UE não pode pedir a nenhum dos Estados membros, depois do que se passou com os britânicos.
Por falar da cimeira, que continua neste momento em que escrevo, disse a um antigo embaixador português que considero normal que estas coisas levem o seu tempo a ser discutidas – estamos a falar de montantes excepcionais, com regras inéditas e implicações muito complexas, incluindo para o bom funcionamento da Comissão Europeia, para já não falar nas situações catastróficas que certas economias vivem. E também é de esperar que cada país veja a matéria tendo em conta a opinião pública interna. A construção da Europa não é apenas um assunto de líderes políticos. Precisa de uma base de apoio cidadão muito forte.
O embaixador explodiu, como lhe acontece de amiúde, agora que está reformado e que pode dizer o que pensa, pela primeira vez na vida. Os estilhaços partiram todos na direcção da Holanda. Mas eram de fraca qualidade, com muito ruído e pouco chumbo. Deixaram-me, no entanto, na dúvida se vale a pena insistir para que as minhas comunicações sejam restabelecidas. É que sem net, sempre me refugio nos escritos de Confúcio e de Nietzsche.
Hoje passei uma hora a ouvir cantar o mesmo fado. Ou seja, fiquei por três ou quatro vezes à espera de ser atendido por diversos serviços da empresa de telecomunicações NOS. Enquanto aguardava era brindado com uma gravação de uma fadista que me lembrava, a mim que não gosto desse tipo de canções, que temos muitas razões para lamúrias.
Ontem à hora do jantar, pedi à companhia belga que me fornece os serviços de telecomunicações que procedesse à rescisão do meu contracto no final deste mês. A funcionária, do outro lado da linha, foi de uma eficácia que me deixou os cabelos em pé e à beira do colapso mental. Ou seja, cortou tudo, de imediato, sem esperar pelo primeiro de Junho. Num instante, fiquei náufrago no oceano da internet, desconectado do mundo. Senti-me como um Robinson Crusoe dos tempos modernos.
Notei o erro sem demoras. Telefonei de volta, através de um número que está fora desse circuito, mas já era tarde. A partir das 20:00 horas não há resposta a questões comerciais. Com a ajuda da minha filha e depois de muitas tentativas, consegui chegar a um chefe de serviço, por volta das 21:00. Disse-me que sim, que estava a ver o erro, que iria providenciar para que fosse reparado sem demoras. Nestes tempos de Covid e de mudança, não se pode estar sem comunicações, sem internet, acima de tudo. Foi muito rápido, no que respeita à factura dos custos da reposição do serviço. Cinco minutos depois, a conta já estava na minha caixa de correio. Mas nada de reposição do serviço. O mundo para lá do horizonte pareceu ainda mais distante, inteiramente fora do alcance do novo Robinson.
Hoje, logo pela manhã, voltei a telefonar. Disseram-me que sim, que tinha sido bom que eu os tivesse contactado tão prontamente, ontem à noite, antes que o corte se tornasse final. Fiquei feliz com a informação, mas profundamente infeliz quando acrescentaram que a ligação seria estabelecida entre hoje e amanhã. O que havia demorado uns segundos a desligar, iria demorar dois dias a ligar. Robinson Crusoe diria que Proximus ainda não chegou ao ano 2020 e à época do Covid.
A agenda do próximo Presidente da Comissão Europeia deveria dar uma importância maior às questões do meio ambiente e do clima, da paz e da segurança nas diferentes vizinhanças da UE, bem como ao desenvolvimento económico e social dos Estados membros e à segurança dos cidadãos.
Isso passaria por um esforço mais intenso, quer internamente quer no exterior, na aplicação do acordo de Paris sobre o clima. Também significaria um aprofundamento da diplomacia comum. Igualmente, tratar-se-ia de conseguir chegar a mercado único, no espaço europeu, em matérias de telecomunicações, banca e transportes, incluindo a ferrovia. E, finalmente, a prossecução passo a passo de um programa de defesa e de segurança.
Tratar-se-ia de uma agenda ambiciosa, mas realista e suficientemente clara. Mostrar-se-ia, assim, aos cidadãos europeus o que significa uma União Europeia. A qual, a título simbólico, porém altamente significativo, deveria pôr em cima da mesa a possibilidade de um passaporte único, que reconhecesse as várias nações, mas que investiria na criação de uma cidadania comum e partilhada.