Como já aqui o disse, sou a favor da eutanásia medicamente assistida. E fico à espera da lei portuguesa que a permita. Entretanto, com todos os vetos e pedidos de esclarecimento do Tribunal Constitucional, no dia em que esse diploma legal for finalmente aprovado vai certamente ser a lei mais bem elaborada do mundo. É verdade que, entretanto, o tempo vai passando. E quem sofre de modo insuportável terá de ter paciência. Felizmente que este é um país de gente paciente. Aprende-se a ser paciente quando a maioria das coisas não funcionam e também quando os poderosos só aprovam coisas destas quando a inspiração divina lhes chega do céu.
Tive a ocasião de defender, numa reunião virtual em que participei esta tarde, que a sentença do Tribunal Constitucional alemão deve ser tratada como um problema interno da Alemanha. O Tribunal não tem jurisdição sobre as instituições europeias. O Banco Central Europeu não deve responder ao que é pedido na sentença. Cabe ao Bundesbank e aos políticos alemães responder ao Tribunal. E eles sabem quão importante e necessárias são as medidas que o BCE prometeu levar avante. Têm que as explicar aos juízes e a uma parte da opinião pública do país. Penso que o farão.
O julgamento que o Tribuna Constitucional acaba de anunciar baseia-se numa interpretação de um ou dois princípios doutrinários genéricos. Não se baseia numa norma ou artigo concreto da Constituição. A interpretação de princípios gerais é uma matéria muito delicada, na fronteira da opinião jurídica com a política. Por exemplo, dizer que os cortes atingiram um nível inadmissível é uma questão política. Ao Tribunal cabe dizer se esses cortes respeitam a ordem constitucional e jurídica existente. E dizê-lo de modo fundamentado.
É verdade que uma decisão legal pode ter mais do que uma interpretação. Por isso, e tendo em conta a natureza das matérias em análise, o Tribunal Constitucional é constituído por um colectivo de juízes. O facto de haver juízes que interpretam de uma maneira e outros que fazem uma leitura diferente mostra a complexidade do que está em jogo. No caso concreto, houve quem votasse a favor e com votasse contra. Ambos os lados fizeram o que tinham a fazer. Tenho a certeza que cada um fez o que tinha que fazer, com o elevado grau de profissionalismo que se espera da instituição.
Depois disso, a rua e os partidos farão a leitura que entenderem e que melhor sirva os seus interesses específicos. Mas, a objectividade recomenda que se lembre que há sempre duas faces em cada moeda. E a visão estratégica das coisas que são importantes recomenda que abordem estes temas, mesmo na rua, com uma certa serenidade. Ou seja, a decisão foi tomada por quem a autoridade constitucional para o fazer e depois cumpre-se.
Quando me falam das questões de mobilidade na função pública, gosto de perguntar em que plano estratégico se enquadram essas medidas. Os funcionários fazem parte de um conjunto mais vasto, que é o Estado. E o que é preciso é definir primeiro quais devem ser os grandes objectivos da reforma do Estado e qual é o plano estratégico que se pensa seguir, para que esses objectivos possam ser alcançados.
O resto é do domínio da política avulsa, das decisões e escolhas aos pedacinhos. Não é o menu principal. Põe-se na mesa, enquanto não se sabe o que se vai escolher para o jantar.
No seguimento do que escrevi ontem, queria deixar claro que não compreendo a euforia politica que a decisão do Tribunal Constitucional tem criado, nalguns sectores da nossa opinião pública.
A decisão, cujos méritos não ponho em causa, tornou claro que existe uma profunda crise política em Portugal. O governo ficou com uma autoridade fortemente abalada. A oposição, por seu turno, e por si só, não parece ser alternativa. Mas, mais importante, vamos ter que encontrar argumentos de peso para que possamos ter uma negociação efectiva com os representantes dos nossos credores, numa altura em que a nossa economia não responde, a opinião pública não aceita as reformas do Estado que são necessárias, e as receitas fiscais ficam muito aquém das despesas que esperamos o governo faça.
Tudo isto num contexto europeu que é muito pouco flexível, numa altura francamente desfavorável, em que quem decide, na Europa, não está disposto a fazer concessões. Antes pelo contrário. Quem manda pensa que chegou a hora da verdade, das clarificações, da separação do trigo do joio, de refundação da Europa.
Ou seja, estamos, isso sim, a viver uma crise nacional profunda. Que não se compadece com euforias. Nem com ligeirezas. Nem clubismos. Nem ódios pessoais. Exige, sim, um vasto movimento de unidade e muita chama patriótica. Como também pede gente firme, que seja capaz de falar com a Europa de maneira que possamos ser ouvidos.
O oposto da euforia não é ansiedade. A verdadeira alternativa passa pela mobilização de todos nós.
Conhecida agora a decisão do Tribunal Constitucional sobre certas normas do Orçamento Geral do Estado para 2013, e tendo em conta o clima político actual na Europa, que deixa pouco espaço para manobras, caberá ao governo de Portugal, seja ele qual for, reorganizar as contas públicas deste ano, de modo a manter o défice dentro de limites que sejam considerados aceitáveis pelos representantes dos credores exteriores. E, claro, dentro das normas constitucionais.