Finalmente, Vladimir Putin anunciou que não estará presente na próxima cimeira dos BRICS, que terá lugar a partir de 22 de agosto, na África do Sul. Foi um grande alívio para os sul-africanos que não queriam de modo algum uma visita desse género, e uma prova clara que o presidente russo tem poucas hipóteses de viagens internacionais, depois da acusação formal do Tribunal Penal Internacional. Putin entende agora de maneira mais clara o que significa ser um pária na cena internacional.
O Presidente do Sudão, Omar al-Bashir, encontra-se na África do Sul, para participar na cimeira anual da União Africana. Em 2008, estava eu junto da fronteira com o seu país e de prevenção, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu um mandato de captura contra Bashir, por alegados crimes praticados no Darfur, uma vasta região sudanesa, que faz extrema com o Chade e a República Centro-africana.
Foi um alvoroço. Ninguém sabia como o Presidente iria reagir. E, na verdade, havia muito receio que essa reação pudesse ser violenta, nomeadamente contra a presença das Nações Unidas no seu país. Bashir acabou por expulsar umas tantas ONGs e, à sua maneira bem astuciosa, continuou a fazer a vida impossível à missão da ONU no Darfur.
Desde então, cada vez que viaja ao estrangeiro, o TPI faz pressão sobre os países que o acolhem, para lembrar que existe a obrigação de o deter e despachar para a Haia. Mas Bashir é um velho rato do deserto, muito sabido. Tem conseguido, com o tempo, não só continuar a deslocar-se em África, embora com muita prudência, mas também tratou de virar a opinião das elites africanas contra o TPI. O argumento é que o TPI está sobretudo vocacionado para perseguir líderes africanos.
Hoje, um tribunal sul-africano decidiu que Bashir não pode sair da África do Sul enquanto não for decidido se deve ser ou não capturado. Esta decisão preliminar é extremamente embaraçosa para o governo de Pretória. Todavia, o desfecho imediato é muito previsível. Amanhã, quando terminar a cimeira da UA, o homem pega no seu avião e regressa a Cartum. Pretória irá invocar que o Presidente do Sudão tinha imunidade diplomática, ao abrigo do protocolo que rege as cimeiras da UA e outras similares.
Nisto, quem acabará por perder, para além do TPI, que uma vez mais vê a sua autoridade ser posta em cheque, será a liderança da África do Sul. O caso vai dar mais alguns argumentos a quem se opõe à presidência de Jacob Zuma.
A situação na Síria é, neste momento, a questão internacional prioritária. Não faz parte, todavia, da agenda oficial da reunião deste ano do G20, que tem lugar em São Petersburgo, nesta quinta e sexta-feira. A presidência russa, que pela primeira vez organiza o encontro, havia escolhido o crescimento económico como tema de fundo. No entanto, vai ser o fantasma de Bachar Al-Assad que irá pairar sobre a mesa das negociações e envenenar o ambiente. Por pouco, teria mesmo impedido a participação de Obama na cimeira. Uma das razões que levou Obama a decidir como decidiu foi por ter considerado que seria importante estar em São Petersburgo. Se tivesse lançado a campanha contra a Síria desde já, seria obrigado a permanecer em Washington, para acompanhar a evolução dos acontecimentos. A sua ausência complicaria ainda mais a relação, que já é difícil, com Putin. Ora, na escala do que mais conta e a prazo, o relacionamento dos EUA com a Rússia é bem mais importante que um ditador numa encruzilhada do Médio Oriente. Assad que espere. Depois do G20, Obama terá, finalmente, o tempo bastante para se ocupar dele.
Mas, para quê? A “linha vermelha” que o presidente americano estabeleceu sobre a utilização de armas químicas e a decisão de bombardear, na segunda semana de Setembro, certos alvos militares, escondem uma verdade bem mais dolorosa: a falta de uma estratégia que permita resolver o conflito sírio. Passados mais de dois anos, a comunidade internacional, representada pelo Conselho de Segurança da ONU, continua incapaz de encontrar uma solução para uma catástrofe humanitária que já provocou mais de 100 mil mortos e acima de 2 milhões de refugiados. Uma crise que é um foco de instabilidade e de insegurança que ameaça a paz numa das regiões mais sensíveis e de maior volatilidade do globo.
Também é verdade que a utilização de armas químicas e de destruição em massa constitui um crime de guerra e contra a humanidade. Para inquirir sobre esse tipo de crimes e para julgar os indivíduos que sejam considerados culpados foi criado, em 2002, na Haia, o Tribunal Penal Internacional (TPI). Essa é a via legal e politicamente correcta. O passo a tomar é claro. Os EUA e o resto do Conselho de Segurança têm a responsabilidade primeira, e imediata, de referir o caso de Assad e de outros dirigentes sírios ao TPI, para investigação e procedimento criminal.
Acrescente-se ainda que bombardear um país estrangeiro, sem autorização da ONU, apenas deverá acontecer quando a legítima defesa possa ser invocada. O resto é um acto de guerra. Que só terá justificação e justa causa em condições bem precisas, que fazem hoje parte da jurisprudência internacional. Concretamente, tem que se poder demonstrar que vidas inocentes estão em perigo iminente e que a intervenção vinda de fora oferece uma probabilidade alta de pôr um termo a violações massivas dos direitos humanos mais elementares de um número significativo de pessoas. Este deveria ser o cerne do debate nos próximos dias.
Infelizmente, assim não será. Para muitos, tratar-se-á apenas de levar a cabo uma operação punitiva, sem objectivos mais vastos ou com um intento político de valor incerto, como é o que pretende fundamentar a acção militar como sendo uma medida inequívoca de dissuasão, quer em relação a Assad e a quem o apoia, quer no que respeita a outros com a veleidade de o querer imitar. Ora, a história ensina-nos que única dissuasão que funciona com este tipo de ditadores é a que os retira de vez de cena. O resto é apenas fogo-de-vista.