Os ataques recentes, com drones e mísseis, contra as instalações petrolíferas sauditas continuam a ser uma das grandes preocupações internacionais. Sobretudo agora, quando os líderes da maioria dos países membros da ONU convergem para Nova Iorque, para participar na abertura da Assembleia Geral deste ano. A gravidade do que aconteceu e o impacto que esses actos de guerra possam ter, no despoletar das tensões à volta do Irão e da região, não podem ser ignorados.
Para além de muitas outras, nomeadamente sobre a eficácia dos sistemas de defesa da Arábia Saudita – um país que, em 2018, gastou 70 mil milhões de dólares americanos na compra de novos armamentos – há uma grande questão, que tem ocupado os mais diversos analistas. Trata-se de tentar perceber o que está por detrás desses actos, ou seja, qual é a jogada estratégica que o Irão está a seguir. Esta pergunta assenta no pressuposto, como é óbvio, que os dirigentes iranianos estarão na origem do que aconteceu. É uma hipótese plausível, se se tiver em conta o nível de complexidade técnica que os ataques exigiram e se se proceder a uma reflexão sobre os países e actores político-militares que, na região, podem dispor desse tipo de sofisticação.
A verdade é que o Irão e os rebeldes Houthis, no Iémen, estão em sintonia e coordenam as suas intervenções, incluindo as iniciativas diplomáticas. Por isso, de imediato, após os ataques, o porta-voz dos Houthis veio à praça pública para os reivindicar. A pressa poderá ter várias justificações, mas uma delas será certamente a de introduzir confusão no debate sobre a autoria do que acabara de acontecer. Essa é uma velha receita, muito usada pelo Irão e por outros, no Médio Oriente.
Agora, neste início de semana, quer o Irão quer a liderança rebelde no Iémen falam da possibilidade de um arrefecimento das hostilidades com a Arábia Saudita e, mesmo, de propostas de alguma forma de conversações. Ao mesmo tempo, Teerão organiza paradas militares e demonstrações públicas de força armada, tudo acompanhado por uma retórica ultra-patrótica e guerreira. A mão direita oferece diplomacia e a esquerda cerra o punho.
Os dirigentes iranianos pensam que estão numa posição de força. Os ataques contra as instalações sauditas vieram reforçar essa convicção, ou seja, que o Irão pode danificar infra-estruturas vitais num país fortemente armado. Mais ainda, que consegue atacar um país que é um aliado íntimo e protegido pelos Estados Unidos. Os clérigos que mandam em Teerão querem assim mostrar uma capacidade militar de ponta. E que, por isso, é melhor negociar com eles do que pensar em retaliações militares, que levariam à guerra e provocariam caos e miséria em toda a região e teriam efeitos profundos sobre a estabilidade da economia internacional. É essa a mensagem que pensam ter enviado aos vizinhos e sobretudo a Washington.
Essa lógica tem um ponto fraco, que é o relativo isolamento do país na cena internacional. O Irão tem poucos amigos. Os Europeus, a começar pelo Presidente Emmanuel Macron, nada conseguem fazer. Estão reféns da política definida em Washington. Outros países, preferem manter-se afastados do conflito, pois não querem abrir novas frentes de desacordo com os Estados Unidos. De qualquer modo, se tivessem que escolher entre Riade e Teerão, apostariam de preferência no primeiro. E, para completar as dificuldades internacionais do Irão, existem agora as sanções americanas, que são extremamente restritivas, quer do ponto de vista comercial quer financeiro – o país está sem acesso ao sistema bancário internacional, não pode pagar nem receber. As sanções acabarão por arruinar a economia do Irão, criar imensas dificuldades ao quotidiano dos cidadãos e expandir o clima de oposição ao poder dos aiatolas.
Na minha opinião, a única escolha possível é a do diálogo construtivo. Há que fazer renascer a esperança que surgira durante a reunião do G7 em Biarritz. Ataques e demonstrações de força, venham donde vierem, são e continuarão a ser um erro que pode ter consequências catastróficas. Nessa linha, vejo o ataque contra as instalações sauditas como um erro de cálculo muito grave. Pode ser uma vitória táctica mas, em termos de estratégia, abre a porta ao desastre.
(Texto que publiquei no Diário de Notícias on line)
O link para o meu programa desta semana na Rádio de Macau, um trabalho semanal de equipa com Hélder Beja, um homem de letras, e a jornalista Catarina Domingues. Ambos vivem em Macau há vários anos.
O Magazine Europa, da Rádio Macau, aborda esta semana os resultados eleitorais na Itália, a social-democracia alemã e na Europa, as declarações de Vladimir Putin, mais a guerra comercial de Donald Trump, a cibersegurança e também um tema muito actual, o frio.
Para ouvir o programa e os meus comentários, o sítio é este:
Ontem o mundo teve oportunidade de ouvir duas declarações preocupantes.
Por um lado, tivemos Vladimir Putin a discursar sobre os novos tipos de armamentos que a Rússia diz ter desenvolvido. Falou, nomeadamente, de mísseis nucleares. E mostrou-se muito beligerante, sempre a pôr o acento na força militar, como meio de ganhar espaço geopolítico e credibilidade na cena internacional. A conversa não era bluff. É para levar a sério.
Do outro lado do mundo, mas tão perto dos nossos interesses como Putin, falou Donald Trump. Também ele usou um tom conflituoso, ofensivo e provocador. Abriu as portas a um outro tipo de crise, à espiral das disputas comerciais. Num mundo que está hoje mais globalizado que nunca, um discurso desse tipo é muito perigoso. Para todos, incluindo para os concidadãos de Trump.
O mês de março começou assim com muita violência. Marcadamente, pela negativa. Quem analisa as relações internacionais não pode deixar de sublinhar que este tipo de declarações não têm nada de positivo nem de encorajante. Antes pelo contrário. E lembram-nos que é a jogar com o fogo que muitos incêndios começam.
Acima fica o link para os meus comentários desta semana no Magazine Europa da Rádio TDM de Macau.
Falo do véu islâmico, das distintas dimensões da aliança entre a França e a Alemanha - sobretudo na área da defesa -, e finalmente, sobre a Turquia e o seu relacionamento com a UE.
Os meus comentários esta semana. Magazine Europa é um programa da Rádio TDM de Macau sobre questões europeias. Sou o comentador residente do programa.
Os comentários centram-se nas relações entre a Europa e a China, o papel que podem desempenhar na liderança das questões climáticas, no futuro das relações europeias com os Estados Unidos, incluindo os aspectos de defesa, e ainda sobre os principais traços do orçamento europeu para 2018.
Tratar o relacionamento estratégico da UE com os EUA com base numa situação política acidental e excepcional, ou de um modo contabilístico, com cifrões de um lado e do outro, seria um erro. Como também não é prudente nem acertado abordar de modo superficial e mediático as divergências políticas que agora surjam.
Ser firme e razoável é saber dizer que não, quando necessário, mas sem ruídos inúteis, e explicar bem a posição que nos parece mais acertada. A defesa dos nossos valores e interesses não se resolve por meio de polémicas que apenas servem para alimentar os títulos e as letras gordas da comunicação social. Ou, para a selfie do momento.
O Presidente dos EUA conseguiu pôr uma boa parte do mundo a falar dele. Sobretudo, a tentar adivinhar qual será o seu próximo passo e a procurar perceber qual é a estratégia, que linha política está a ser seguida.
Estes são tempos particularmente complexos
E a iniciativa está, neste momento, do lado do Presidente. É ele quem vai determinar a agenda dos próximos dias, dos tempos que temos pela frente.
Ora, sabendo-se o que se sabe e tendo em conta o que se tem visto, a situação está a deixar muitos dirigentes, em vários cantos do globo, francamente preocupados.