Cinco anos após a queda do antigo ditador Zine El Abidine Ben Ali, que fora o segundo Presidente do país a partir de 1987, os jovens tunisinos estão de novo nas ruas, há vários dias. A agitação tem-se alastrado e hoje o governo viu-se obrigado a decretar um recolher obrigatório nacional, que abrange o período das 20:00 horas até às 05:00.
A instabilidade actual permite que nos lembremos de várias questões. A Tunísia continua a ser um exemplo de transição democrática no mundo árabe, o único caso de sucesso numa série de revoltas que ficaram conhecidas genericamente como a Primavera Árabe. É igualmente o país onde há maior liberdade para as mulheres. Mas a crise de agora também nos lembra que o desemprego jovem e a falta de oportunidades económicas são as características determinantes no Norte de África e na generalidade do mundo árabe. Muitos jovens têm diplomas universitários mas não têm emprego. Uma boa parte desses diplomas correspondem à frequência de estudos que não têm nada que ver com as necessidades técnicas e científicas de hoje. A função pública é uma das poucas saídas, sobretudo agora que o turismo está de rastos, em virtude dos recentes golpes terroristas na Tunísia. É, no entanto, impossível construir uma economia moderna com base nos empregos na administração do Estado. É preciso investimento nos sectores produtivos e nos serviços privados. Na Tunísia não há investimento que se veja. A instabilidade afugenta os investidores mais sérios.
Existe, isso sim, um grande nível de corrupção na área pública. A democratização não foi acompanhada por uma reforma do Estado. As instituições funcionam com base no compadrio e estão politizadas. Essas são duas vias certas para o desastre.
A Europa, que se havia comprometido a ajudar a Tunísia, não conseguiu ir além das promessas. Ora, é do interesse europeu ter um Norte de África estável e em crescimento. Caso contrário, teremos mais imigração vinda dessa parte da nossa vizinhança e mais casos de radicalismo.
A França comprometeu-se hoje a dar uma ajuda excepcional nos próximos cinco anos. O Presidente Hollande falou de 200 milhões de euros por ano. É um exemplo que deveria ser seguido por outros, sem mais demoras.
Escrevo na minha coluna de hoje, na Visão, sobre a Primavera Árabe, com um foco muito especial no Norte de África. Escrevo para defender duas ou três teses e combater o pessimismo e a ausência de uma visão estratégica.
Defendo que a prioridade política é, para todos, incluindo no que diz respeito à cooperação da comunidade internacional, consolidar a democracia. Isto passa pelo combate aos extremismos, embora reconheça a identidade cultural específica dos países da região e o peso relativo da religião na vida pública.
Quanto à economia, avanço a ideia que é preciso fomentar a integração económica no Norte de África. Esta será a via mais rápida para o crescimento, o bem-estar e a estabilidade dos países em causa. Defendo o estabelecimento de um mercado comum no Norte de África.
A região vai conhecer altos e baixos. Os desafios são imensos. Mas poderá ultrapassar muitas das dificuldades que existem, se mantiver uma política de respeito pelos direitos humanos e procurar incentivar um crescimento económico equilibrado.
Sei que muitos leitores pensarão que sou demasiado optimista. Talvez não seja bem assim...
Quem se ocupa das questões internacionais está com muito pano para mangas.
A situação no Egipto continua muito complexa. Há progressos, mas existem riscos de derrapagem.
Na Tunísia, o novo governo ainda não conseguiu estabelecer uma governação efectiva.
Entretanto, os jovens do sexo masculino fogem do país, a sete pés, aproveitando o vazio de autoridade. Só nos últimos três dias, foram cerca de 4000 os que desembarcaram em território italiano.
Um êxodo que tem mostrado a falta de uma resposta europeia comum. A Itália que resolva...
Afinal o muito falado e famoso contágio inclui a Europa...
No Iémen, as batalhas campais são o pão quotidiano. A oposição, quando se manifesta na capital, é violentamente atacada por adeptos do regime. A ordem pública é uma desordem que é útil ao Presidente Ali Saleh.
No Bahrein, uma parte da população esteve, hoje, na rua. O país é rico. Mas, falta a liberdade. Foi esse o motivo das concentrações.
O Bahrein, ao contrário do Egipto, da Tunísia e do Iémen, é constituído por crentes xiitas. Como no Irão.
O Irão teve igualmente um dia de manifestações. A repressão é grande, violenta, mas muitos estiveram nas ruas de Teerão. Os telemóveis e a internet estiveram desligados algumas horas. Porém, a informação acabou por chegar ao exterior do país.
Curiosamente, as manifestações tiveram lugar no mesmo dia que o Presidente da Turquia iniciava a sua visita oficial ao Irão. O Presidente Abdullah Gul teve a coragem de dizer claramente, numa intervenção pública, ao lado do seu homólogo iraniano, que é preciso prestar atenção às movimentações populares. Foi uma declaração importante.
Abordo, hoje, na Visão, a luta pela dignidade e pela democracia, que está a ter lugar no Norte de África e no Iémen. Faço, ao mesmo tempo, a ligação com a reunião anual de Davos, que ontem abriu as suas portas aos grandes e poderosos deste mundo.
Davos queria discutir o aparecimento de novos centros de poder. Só que os acontecimentos de agora tornam urgente discutir o poder quando a rua diz basta.
Davos pensava analisar as novas dinâmicas da geopolítica, com a crise da Europa como pano de fundo, bem como a emergência de novas potências regionais. As populações da Tunísia, da Argélia, do Egipto e do Iémen estão a transformar as relações políticas com o mundo árabe. Esse também é um novo arranjo da geopolítica, numa região que se encontra às portas da Europa.
Ben Ali, que dirigiu a Tunísia durante mais de 23 anos, foi forçado a abandonar o poder e o país. Deve estar esta noite em Valeta, a capital de Malta, à espera de um destino final. Não saberá onde irá acabar, mas sabe que tem dinheiro investido na Europa e nos Estados do Golfo.
O Presidente interino, que era até hoje o primeiro-ministro, Mohamed Ghannouchi, é um velho senhor, que vai tentar salvar os móveis do regime. Deverá ser Sol de pouca dura, que a rua, que tem revelado uma coragem invulgar, quer mais do que uma simples continuação dos senhores que constituíam a clique de Ben Ali. Quer uma mudança total da classe dirigente. Quer democracia.
Falta perceber qual será o papel reservado aos militares, que constituem um dos pilares mais estruturados da sociedade tunisina.
Entretanto, o que se passa na Tunísia é o resultado de uma ditadura que não conseguiu resolver os problemas de emprego dos jovens nem reconhecer que a corrupção e as falcatruas dos actos eleitorais são artimanhas com pés de barro. Os jovens concluem mestrados em direito e noutras matérias e depois são vendedores ambulantes, ou pior ainda. A corrupção, que tinha na senhora do Presidente o expoente mais ávido, levou ao enriquecimento dos fiéis e ao empobrecimento dos outros.
Mas há outro problema, de que se virá a falar em breve. Os fundamentalistas têm estado a organizar-se, por vias clandestinas, ao longo dos últimos anos. Ben Ali não os deixava pôr o nariz fora de água. Agora, o contexto é diferente. Creio que em breve vão passar a contar a sério, no novo xadrez político.