Estão todos a caminho da China. Por duas razões: por se tratar de um grande mercado e por se pensar que a China poderá encontrar uma solução para a agressão russa contra a Ucrânia. É, de facto, um mercado enorme e cada vez maior, à medida que o poder de compra da sua imensa população continuar a aumentar. A sua dimensão populacional e a disciplina laboral são dois factores determinantes que farão da China um pólo importantíssimo nas relações internacionais. Mas acreditar na intervenção da China na resolução do conflito criado pela Federação Russa parece-me uma ilusão. A Rússia não tem a intenção de sair dos territórios que ocupou ilegalmente. E a China não irá, de modo algum, conseguir convencer a Rússia a fazê-lo. Nem irá mesmo tentar. Por isso, apostar na China como um mediador é, tal como as coisas estão neste momento, tempo perdido.
A crise provocada por Vladimir Putin é muito complexa. Por isso, gera muita incerteza e confusão. Existem muitas contradições entre as palavras e os factos. Ainda hoje, numa encenação para telespectador ver, Sergey Lavrov disse ao Presidente que a via diplomática não está fechada. Esta foi uma afirmação nova, propositadamente transmitida a partir do Kremlin. É impossível fazer uma interpretação correcta dessa mensagem. Pode, de facto, significar que os contactos diplomáticos irão prosseguir, como também pode ser uma manobra, para desviar as atenções dos planos militares. Quem insistir que se trata de uma ou outra, está apenas a dar uma opinião baseada no lançar de uma moeda ao ar.
A confusão é tal, que leva certos observadores a dizer que tudo isto acontece por causa dos interesses económicos e militares dos Estados Unidos. É uma interpretação extremamente criativa de uma realidade que tem na origem um destacamento excepcional de tropas russas para junto das fronteiras ucranianas, incluindo as marítimas. Se essa interpretação fosse levada a sério, isso significaria que as movimentações de tropas russas aconteceram para satisfazer os objectivos políticos dos americanos. Nessa maneira de ver, estaríamos perante uma conspiração urdida conjuntamente por Biden e Putin. Basta pensar nisso, para se perceber o ridículo deste pretenso cenário.
Para os Estados Unidos, a situação de crise grave que se vive no leste europeu, com a Ucrânia no olho do furacão, obriga a tirar os olhos da preocupação principal que é a rivalidade com a China. A política de Washington em relação à Europa tem como linha principal o desengajamento progressivo em matéria de defesa. A ofensiva russa contraria esse rumo. Essa é uma das grandes consequências geopolíticas do que se está a passar. Os Estados Unidos vão ter de continuar fortemente presentes no espaço europeu. É isso que os países membros da NATO situados no leste da Europa pretendem. A sua influência no seio da Aliança Atlântica sairá reforçada desta crise. Esses países não acreditam na possibilidade de se construir uma Europa da defesa. Para eles só se poderá falar de uma Europa capaz de resistir à pressão russa enquanto houver uma presença significativa de meios humanos e materiais dos Estados Unidos em território europeu.
A grande questão será a seguinte: por quanto tempo mais aceitarão os americanos ser o guarda-chuva dos europeus, tendo presente que essa responsabilidade enfraquece as suas capacidades de resposta perante os desafios vindos da China?