Agosto foi um mês de paragem para mim. Mas tive várias vezes a vontade de comentar porque o mundo não parou para férias e o mês teve uma abundância de acontecimentos marcantes. Ao olhar de modo rápido para as semanas que passaram, vejo que a agressão contra a Ucrânia e todas as consequências daí resultantes, as questões do clima – secas, fogos e inundações – e da instabilidade política, incluindo no país de Donald Trump, continuaram a preencher as páginas principais das notícias. E a anunciar uma rentrée e um final de ano bem complicados. Com consequências directas no poder de compra e na vida das famílias.
O regresso deste blog coincide com a divulgação do relatório do Alto-Comissariado para os Direitos Humanos, um organismo da ONU, sobre as violações sistemáticas do direito à vida, à liberdade e à sua cultura das populações uigures da província chinesa de Xinjiang. O documento documenta uma política e uma prática repetidas de crimes do Estado chinês que podem ser considerados como crimes contra a ordem internacional, por serem crimes contra a humanidade, de discriminação étnica e de punição colectiva de pessoas por razões culturais, religiosas e raciais.
Para além de tudo o mais, o relatório deve fazer-nos pensar numa questão que é cada vez mais premente: como devem as democracias relacionar-se com as ditaduras e os regimes que abusam da força para espezinhar os direitos mais fundamentais dos seus próprios cidadãos? Esta é uma questão que não pode continuar a ser varrida para debaixo do tapete.
Antony Blinken lembrou hoje que a rivalidade que conta é a que existe entre os EUA e a China. As suas palavras, pronunciadas num discurso formal na George Washington University, revelam qual é a política da Administração Biden em relação à China. E que esta é a prioridade absoluta em matéria de política externa.
O lema é que a China se tornou “mais repressiva na cena doméstica e mais agressiva na internacional”.
A questão uigure ocupa uma posição central, quando se fala da repressão interna. Ainda esta semana foi objecto de revelações que mostram a extensão e a violência do problema. Mas não se trata apenas da violação dos direitos humanos dessa etnia. Hong Kong, a vigilância apertada dos cidadãos chineses, são dois outros exemplos.
Em matéria externa, uma das grandes preocupações diz respeito ao controlo e ocupação do Mar do Sul da China. A outra é a aliança com o regime de Vladimir Putin.
Mas a política americana em relação à China tem vários pontos fracos. É fundamental que Washington os reconheça e corrija. Só assim estará numa posição mais firme.
O ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, falou ontem aos participantes na conferência de Munique através de uma ligação vídeo. Uma parte importante da sua intervenção foi sobre a situação na Ucrânia. Repetiu a posição chinesa, que segue fundamentalmente duas linhas: o respeito pela soberania e a integridade territorial da Ucrânia; e a preocupação de mostrar que a China não está alinhada com qualquer uma das partes. Na realidade, no que diz respeito à Ucrânia, a China não quer de modo algum ser vista como defendendo a posição russa.
Só há alinhamento com a Rússia na parte respeitante à NATO. Mas é um alinhamento muito subtil, na medida em que assenta na afirmação que é necessário ter em conta as legítimas preocupações de segurança da Rússia.
Também teve que responder uma pergunta sobre a situação das populações da etnia uigur na região autónoma de Xinjiang. Aí a novidade foi ter anunciado que a China está a preparar uma visita de Michelle Bachelet, a Alta-Comissária da ONU para os direitos humanos. António Guterres havia recentemente sugerido uma missão desse tipo e aparentemente parte chinesa está a considerar essa hipótese. É evidente que uma visita de Bachelet terá que ser totalmente credível, em termos de liberdade de movimentos e dos contactos. Ora, isso não é fácil.