Nas diferentes campanhas para as eleições autárquicas ter-se-á falado de muita coisa, mas não se falou da insegurança que muitos cidadãos experimentam, diariamente, em vários bairros das grandes cidades bem como nas periferias das grandes aglomerações urbanas. Uma leitura atenta dos incidentes que alguma comunicação social vai notando e depois de várias conversas com pessoas que vivem em zonas mais densamente povoadas – e mais expostas ao pequeno crime, a assaltos, a roubos de peças de automóveis, a vários tipos de vandalismo, a intimidações vindas de grupos violentos, etc – deixam claro que há um sério problema de criminalidade no país. E que a tendência das autoridades é a de varrer isso para debaixo do tapete que tudo esconde.
Temos, no entanto, um número elevado de polícias e de GNRs por 100 mil habitantes. Mas a questão não essa, nem apenas a falta de coordenação táctica entre estas duas forças. Há um problema de direcção política ao nível do Ministério da Administração Interna e um muito sério problema na área do funcionamento da justiça. Tudo isto leva o cidadão violento a pensar que o crime sempre tem algum grau de compensação, em Portugal.
Para certas cabeças, a História é tão incerta como o futuro. Pode mudar quando mudam as relações de força numa determinada sociedade, quando acontece uma reviravolta profunda ao nível de quem está no poder ou quando o relato do passado precisa de ser contado de outra maneira, para dar legitimidade a quem acaba de conquistar a liderança. O exemplo mais frequentemente citado é o relativo ao Partido Comunista da União Soviética. A narrativa histórica foi sendo modificada à medida das alterações radicais na composição do Bureau Político. Personagens desapareciam, os factos eram narrados de outra maneira ou suprimidos, o que fora positivo no passado passou a negativo ou foi esquecido, e vice versa. No todo, quando Gorbachev chegou ao poder, nos anos 80 do século passado, já se estava na terceira versão da história da União Soviética. Um amigo meu, homem que tinha as suas raízes familiares na vizinhança do Kremlin, no sentido figurado, para dizer que vinha de uma família que havia beneficiado do regime, embora não estivesse no centro das decisões, costumava dizer-me que a História é imprevisível.
Lembrei-me disto, agora que vejo uns vândalos e uns intelectuais de meia tijela empenhados em julgar o passado com os olhos dos extremismos de hoje e dos radicalismos com que sonham. Lançam-se às estátuas e aos personagens do passado com a mesma estreiteza com que vêem a política do presente. Perante isso, há que dizer-lhes que não. Que destruir ou danificar representações do passado não é um acto político, mas sim um crime. Que atacar o Infante D. Henrique ou outra personagem de outrora, com toda a cegueira que caracteriza os primários da nossas cenas políticas de agora, é pôr em causa os genes históricos e sociais que nos definem.
A História deve ser interpretada. À luz do seu tempo, porém. Mas não é para escaqueirar nem para servir os populismos e as modas do tempo presente.