Não me cabe fazer comentários sobre a política interna de Espanha, no dia seguinte a um acto eleitoral especialmente importante para o povo espanhol. Digo isto sobretudo por duas razões: o país tem um contexto político muito complexo, que tem as suas raízes na cultura nacional, nas décadas de franquismo e na existência de profundos sentimentos nacionalistas; por respeito para com o povo de Espanha, a começar pelo pai do meu neto e o meu neto, que são sevilhanos de gema e patriotas como é frequente no país aqui ao lado.
Mas quero, apesar de tudo, fazer três observações genéricas: primeiro, terá de haver um governo de coligação, que consiga reunir a maioria nas Cortes que será necessária para funcionar; segundo, acho um erro qualquer coligação que englobe a extrema-direita ou partidos que são contra a unidade nacional; terceiro, o povo espanhol quer um governo ao centro, capaz de representar quem votou pelo centro-direita e pelo centro-esquerda.
Na realidade, a política na União Europeia precisa de ultrapassar os velhos conceitos do século passado e criar uma governação menos antagónica e mais equilibrada.
Essa é a leitura que cada vez mais me parece evidente. E que é difícil de aplicar por duas razões: os políticos continuam a pensar segundo esquemas mentais passados; os partidos estão mais interessados nos seus próprios interesses, no oportunismo dos seus dirigentes, que no futuro das suas populações.
Tenho muito que receio que o acordo entre o PSOE – os Socialistas espanhóis – e Podemos não tenha a consistência necessária para ser governo. Até agora ainda não apareceu ninguém na fila a querer juntar-se aos dois signatários. Sem que isso aconteça, não há maioria suficiente nas Cortes. Poderá haver um governo que passe, mas passará apenas enquanto o resto dos deputados o entenderem. Ora, a extrema-direita e a direita estão a cavalgar uma onda nacionalista, que o PSOE e o Podemos não poderão acompanhar. Estão em maré crescente, enquanto os dois partidos da esquerda e da extrema-esquerda estão numa situação de estagnação política e de indefinição quanto a uma questão tão fundamental em Espanha, a questão das nacionalidades.
Na minha opinião, a Espanha está hoje numa crise política profunda. E assim irá continuar, a não ser que me engane. Bem gostaria, neste caso, de estar enganado. Por causa da estabilidade dos nossos vizinhos e por causa do impacto que a situação espanhola pode ter na nossa economia.
Nas eleições gerais espanholas de hoje, a extrema-direita representada por VOX pouco mais teve que 10% dos votos. Ou seja, não assistimos a nenhum terramoto, nem a um renascimento significativo do franquismo. A percentagem conseguida faz de VOX um partido nas margens da democracia. Sem mais. Marine Le Pen, a parente extremista do outro lado da fronteira, tem muito mais peso eleitoral. É um perigo bem maior.