Uma volta rápida pela crise
Tive um dia muito variado.
De manhã, numa caminhada de uma hora ao longo do Tejo, ali para os lados da Torre de Belém e mais além, contei cinco turistas. E vi um dos autocarros anfíbios entrar no rio, para fazer a volta habitual, com duas pessoas a bordo: o motorista e o empregado que serve os passageiros. A Torre estava aberta e não tinha qualquer visitante. Para surpresa minha, nem guarda de honra havia, frente ao monumento dos Antigos Combatentes. Estranho, mas verdade. Todos aqueles nomes inscritos nas paredes à volta do memorial estavam abandonados à solidão que a crise lhes trouxe. A crise justifica tudo, costumo dizer e aqui estava mais um exemplo da justeza desse meu ditado.
À tarde, passei quatro horas numa videoconferência, que reuniu colegas da Suíça, de Washington, Londres, Dakar, Ouagadougou, Johannesburgo, Yangon, Bishkek e dos Balcãs. O objectivo era fazer o ponto da situação de certos conflitos violentos, nestes tempos de pandemia. Também se procurou olhar para a frente, para tentar perceber o ecossistema político que está em formação.
A verdade é que há poucos motivos para optimismo, quando se trata de países com grandes problemas internos e má gestão política. O caos cívico e a falta de capacidade das administrações públicas são obstáculos enormes no caminho da recuperação. Os governos reagem autocraticamente e impõem restrições que não têm outra justificação para além de esconder a incompetência, a apropriação ilegítima do poder por uma minoria e a corrupção. As organizações da sociedade civil são especialmente visadas. Aos cortes nas contribuições financeiras junta-se a repressão e a difamação. As economias nacionais, já fracas à partida, quando não estavam em ruínas, estão agora perto da catástrofe. E o potencial para novos conflitos internos é hoje maior.
Mas o importante é não cruzar os braços. Foi isso que discutimos em pormenor. Como também se analisou o que a China está a fazer nessas regiões e qual tem sido a resposta das populações. Em geral, não é favorável. Mas os governos nacionais olham para Beijing como quem procura uma tábua de salvação. Sobretudo porque os outros actores internacionais estão ausentes ou em modo lento.
É toda uma realidade que está a emergir e que tem muito de novo. É isso que é preciso compreender, enquanto se reconhece que ainda há muitas cartas por jogar.